sábado, 27 de fevereiro de 2010

14, rue de Turenne

Continuo o processo de scanear os negativos antigos. Reportagens, viagens, histórias que foram registradas em antigas câmeras de filme película, laboratório e coisa e tal. Ontem me deparei com essas fotos esquecidas no fundo de uma caixa, em meio a cartas e objetos de uma história amorosa. Lá estava o velho apartamento dividido com ela intensamente num inverno que congelou mais do que os ossos.

Nesse apartamento em Paris vivi a solidão mais dura. Mesmo com ela ao meu lado e as noites de amor intenso, apesar dos tintos mais rascantes, da lareira acesa e o afeto que nos restava, foi ali que nos separamos de uma vez por todas. Paris estava linda em pleno inverno e inspirava qualquer idéia de amor, o que tornava nossa situação ainda mais perversa. Aquele último andar à rue de Turenne, no Marais; o exíguo studio, salvo da sensação de aperto pelas janelas generosas, por onde se via os tetos de Paris e até mesmo o anjo da Bastille.

Reformamos nós mesmos o apartamento, que havia ficado fechado por um longo período, após um trágico incêndio no prédio. Nossa amiga, dona do apartamento, por um triz não morreu. Foi salva pelos bombeiros já inconsciente pela intoxicação da fumaça. Traumatizada, precisou de um ano e meio para voltar lá, exatamente para nos mostrar o imóvel. O prédio havia sido reformado, mas o apartamento permaneceu abandonado, cinzas misturando-se à poeira e cheio de entulhos. Na pequena geladeira ainda havia os restos de uma maçã. Mas, reunimos os amigos em mutirão e lixamos, pintamos, limpamos e o apartamento renasceu literalmente das cinzas, aconchegante, nosso. A porta, de madeira maciça, permaneceu um pouco emperrada, mas nós a pintamos de verde, com os frisos amarelos, como as casas que havíamos visto em nossas viagens pelo interior do Brasil. No teto, que era sustentado por vigas de madeira, colocamos ganchos e penduramos redes, um sucesso entre os europeus.

Nosso canapé se transformava numa cama imensa e macia. Ali brincamos muito, em plena felicidade de apaixonados. Foi um período generoso nesse aspecto. Felicidade oriunda das sensações. Nunca estive tão consciente das coisas que me faziam sentir, física e emocionalmente, a vida. Não era apenas o sexo que, apaixonado, se dava ora nas explosões intensas, o leão saltando sobre a gazela, ora na delicadeza das minúcias, nos detalhes, na pele examinada, farejada, degustada. Também levávamos essa sensibilidade à flor da pele para a mesa, inventando sabores, para as leituras, os filmes, os discos. Descobrimos recantos inusitados em Paris, longe dos olhos dos turistas.
Mas como dizem os poetas Abel Silva e Manduka: “de repente vem o acaso, um vento, um zás... e já não somos mais nós dois.” Justamente no auge, quando a história se coloca no vai-ou-racha da definição da situação, filhos, projetos, futuro... bateu o medo e ela disse: “Ça marche pas!” Ficamos ainda elaborando isso por um tempo, tentando voltar ao estágio anterior, mas algo havia se quebrado. Foi no fim de nossa história que tive as lições mais duras da solidão e ver as imagens daquele apartamento, hoje, me traz essa lembrança ambígua, antagônica e complementar, da qual é feita a vida das pessoas.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A criação do mundo


Amigos, reparto com vocês a leitura do poema do Thiago de Mello A criação do mundo, num áudio em casteliano. Estive com ele no sábado e na segunda passados. Jantamos e almoçamos entre histórias literárias, encantados pela evocação do grande Manduka. Thiago esteve no Rio para um consulta, pois teve uma crise de angina na floresta. Mas está tudo bem. Ele sendo bem tratado por sua companheira Poliana, também poeta.

A Amazônia está muito presente nesse momento. Não só pelo contato com o poeta, mas também porque tenho escaneado fotos de minha última visita à floresta, em 1992. Este ano o plano é voltar lá. Em agosto, quando o rio está esvaziando, pretendo ir à Belém, para um congresso de antropologia, e depois subir o Amazonas até Santarém, para conhecer as praias do Tapajós, um dos rios mais bonitos da região. Um rio de águas verdes, mornas e cheio de histórias.

Abaixo o link para o áudio do poema na voz do poeta:

Poema en audio: La creación del mundo de Thiago de Mello por Thiago de Mello

La creación del mundo

No desfloré a nadie.
La primera mujer que vi desnuda
(era adulta de alma y de cabellos)
fue la primera que me mostró los astros,
pero no fui el primero a quien se los mostró.

Vi el resplandor de sus nalgas
de espaldas a mí: era morena,
mas al darse vuelta quedó dorada.

Sonrió porque sus pechos me asombraron,
por mi mirada de adolescente no acostumbrado
a la gloria de la belleza corporal.
Era de mañana en la selva, pero nacían
estrellas de sus brazos y resbalaban
por el cuello, lo recuerdo, era el cuello
lo que me enseñaba a deletrear secretos
guardados en la clavícula. Pedía,
ya echada de bruces y llamándome,
que posara mis labios por los pétalos
con rocío de la nuca, eran lilas;
que alisara, levemente, con las yemas
las espaldas de espumas y esmeraldas;
quería que mi mano recorriera,
yendo y viniendo, el valle de la columna,
trés doucement, porque me cuidaba.
ella inauguró en mí la alegría
inefable de dar felicidad.
Tanto conocimiento no podía
ser sino innato, pienso ahora.
Pero no.
Era un saber hecho de experiencia,
más que ingenio para transmitirlo.
Ella era de otras aguas, una fuente
de treinta años, que vino desde el Sena
con el destino de darme de beber
—en la aurora de sus ojos, en sus pechos,
en la boca musical, en el mar del vientre,
en la risa de azucena, en la voz densa,
en las cejas y en el vértice de las piernas—
la miel antigua de la sabiduría,
de saber que el deseo crece cuando entiende
que la chispa se enciende en la ternura,
que las antesalas se prolongan
hasta que uno esté listo para entrar en el cielo.

THIAGO DE MELLO

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Um escandaloso caso de plágio

Desde a invenção da imprensa, casos de plágio são, infelizmente, um mal relativamente freqüente nos veículos. Sucede que, com o avanço das tecnologias de mídia nos últimos anos, a facilidade de se obter informações deixou de exigir esforço. Basta "dar um google" e se tem volumosa produção sobre qualquer que seja o tema que se queira investigar.

Do jornalista Jason Blair, ex-New York Times, até os casos mais recentes, há uma profusão de malandragem e má-fé na grande rede. No que se refere a roubar idéias, a internet se tornou um campo fértil para plagiadores de todos os graus. O site Comunique-se.com, por exemplo, está citando em sua edição online o caso da crítica de cinema feita pelo jornalista Pablo Villaça e reproduzida sem autorização pelo jornal de Goiás Jornal da Imprensa. Segundo afirma Villaça ao Comunique-se, isso já havia ocorrido antes em Maceió. Já o editor do Jornal da Imprensa disse ao Comunique-se que estava viajando e não pôde controlar a republicação da crítica, uma desculpa, convenhamos, esfarrapada. O site especializado em jornalismo e imprensa ouviu ainda um especialista que diz que mesmo citando o nome do autor, a reprodução sem autorização pode constituir crime à propriedade intelectual do autor se este se sentir de algum modo prejudicado, cabendo "ações por danos morais e patrimoniais".

O que dizer então do mais escandaloso caso de plágio na internet de que tenho conhecimento? Trata-se do jornalista Roberto Chalita, que durante 11 meses reproduziu na íntegra em dois blogues e um jornal impresso do interior de São Paulo textos, fotos, legendas e até mesmo o desenho de página de vários blogueiros, como meus amigos Edu Goldenberg, Bruno Ribeiro, Luis Antonio Simas, Felipe Quintans, entre outros e inclusive — descobri hoje graças aos alertas de Edu e Felipinho — este velho escriba do Pendura Essa. A coisa tem contornos de uma assustadora compulsão incontrolável ao furto intelectual e precisa ser desmascarada com urgência.

Na lista abaixo de sites e blogues recomendades pelo Pendura estão os sites dos amigos citados acima, respectivamente: Buteco do Edu, Botequim do Bruno, Histórias Brasileiras e Boemia e Nostalgia. Neles é possível acompanhar um histórico do plágio com detalhes e exemplos eloqüentes, assim como as ações que serão tomadas contra o plagiador.

No caso do Pendura, Chalita se aproveita de um texto aqui publicado sob o título de Chope centenário, sobre o Bar Brasil, vejam aqui o original, para copiar no blog Boteco Pensante, vejam aqui, mudando o nome do bar e inventando um encontro afetivo entre pai e filho. No texto falsificado, as fotos do Bar Brasil viram fotos do Bar do Bosque (que nem sei se existe de fato), em Barra Funda. Assustador.

Agradeço ao Edu e ao Felipinho pelos alertas. E quero dizer que estou me integrando a eles nas ações contra o plagiador.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Comentários sobre a folia

Ao contrário da maioria dos meus amigos, não faço questão do carnaval na Sapucaí. Fui uma vez e achei cansativo e entediante, ficar ali, passivamente, olhando a folia passar. Isso sem querer entrar no mérito do "verdadeiro" e "autêntico" carnaval, do quanto as escolas se transformaram em outra coisa etc e tal. Pra mim, o carnaval acontece na rua. E este ano não foi diferente. Fui a blocos, ranchos e, entre uns e outros, vários botequins. Pra mim, assim está bem.

Alguns momentos emocionantes: Alfredinho sendo aplaudido em massa ao entrar no Alcazar, depois da maravilhosa apresentação do racho Flor do Sereno, na Avenida Atlântica. O dia morrendo, com a orla de Copacabana e o Pão de Açúcar ao fundo. Outro momento, foi a caminhada com o Moa do Real Chope ao Bip, a caminho do Flor do Sereno. Muitos foliões vieram demonstrar seu carinho pelo compositor, mas o emocionante mesmo foi encontrar a filha de Walter Alfaiate, na torcida pela recuperação do pai. A lágrima clara sobre a pele escura.

Definitivamente, choque de ordem não funciona numa cidade como o Rio, sobretudo nos dias de folia do carnaval. Não sou a favor de bangunça, bandalha e coisa e tal, mas colocar a guarda para prender as pessoas que urinam na rua e não colocar banheiro suficiente para servir os foliões é burrice ou má-fé. E esse fraldão? Há mais dignidade em urinar atrás da árvore.

Na saideira no Jobi, com Beatriz, Mila e Perfeito Fortuna, ouço a frase do "folião do circo", filosófica: "Estamos aqui de brincadeira!" Um bom lema pra se adotar no resto do ano também.

O banho do Barbas, neste ano de recorde de calor, foi além do êxtase. Aliás, esse pedacinho tradicional de Botafogo, em torno da praça Mauro Duarte, foi o epicentro de várias outras manifestações carnavalescas interessantes. Os moradores das comunidades, das vilas, dos sobradinhos e dos prédios modernos, que estão subindo a toda pressa, se encontraram nas ruas desse pedaço bucólico do bairro. Foi interessante ver as distintas formas como cada quem ocupa e usa as ruas.

Bem, coloco aqui o vídeo feito com o celular de alguns momentos das marchinhas do Flor do Sereno. Também fiz de outros blocos e eventualmente colocarei aqui. Esse do rancho, gostei do final, com o meu querido Paulo Pires, lembrando que a marcha Bandeira Branca foi feita para os nosso fígados.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Brevidades

Amigos, a distância e o afastamento deste Pendura Essa se dá por causa de uma série de projetos que me envolvi no laboratório de antropologia urbana ao qual sou associado (o LeMetro do IFCS/UFRJ). Estamos trabalhando em várias pesquisas sobre a cidade, inclusive um projeto internacional que vai comparar os projetos de renovação urbana de Rio, Casablanca e Istambul. Além disso, no Globo, estamos preparando uma edição especial para o Prosa & Verso sobre migração e, como fiz pesquisa sobre a presença chinesa no mercado do Saara, fui integrado ao time do suplemento literário para essa empreitada. Isso tudo exige leituras e escritas sem fim.

Mas não é só isso. Também está chegando aí o carnaval e, no pouco tempo livre que me sobra, escapo quando posso para a folia, pois também sou filho de Dionísio. Deixo, aliás, uma palinha breve da bateria do bloco dos jornalistas, o Imprensa que eu gamo, que este ano roubou a idéia do bloco do Barbas e contratou o mesmo carro-pipa para afogar os foliões em êxtase, considerando-se o calor de 50 graus no meio da multidão.