quarta-feira, 28 de abril de 2010

50 anos favela

O professor José Arthur Rios, durante um seminário no Programa de Pós-Graduação da UFF

Há 50 anos, um grupo multidisciplinar de pesquisadores, liderados pelo sociólogo José Arthur Rios, iniciou a mais extensa e profunda pesquisa sobre os habitantes das áreas do Rio denominadas de favela. Cinco décadas depois, o resultado da pesquisa Sagmacs, como veio a ser batizado o projeto, ainda se mostra extremamente pertinente e atual, com as mesmas questões centrais, sobretudo aquelas que se referem às políticas públicas para os moradores. O velho dilema entre urbanizar ou remover, por exemplo, continua na pauta do dia; assim como o desconhecimento dos aspectos mais gerais da vida nas chamadas comunidades.

Recentemente, após a tragédia que se abateu sobre o Rio, provocada pela combinação de chuvas intensas, ocupação desordenada dos morros do estado fluminense e falta de política de Estado para as populações carentes, o assunto da remoção voltou a ganhar força, sendo defendido em editoriais dos jornais e a velha turma que pretende resolver o problema da miséria, e a violência associada a ela, empurrando as pessoas para o fim do mundo.

Foi interessante, nesse aspecto, ler a coluna do Elio Gaspari, domingo, no Globo. Na nota principal da coluna, chamada Cidade de Deus, nunca mais, ele elogia o prefeito Eduardo Paes pelo anúncio da construção de 170 prédios, com 3.400 apartamentos de 42,6 metros quadrados no bairro de Triagem, onde serão instaladas cerca de 13.500 pessoas que hoje vivem em favelas. Segundo Gaspari, a idéia é interessante porque o bairro é central, próximo à linha de trem e a 15 minutos do Centro. Além disso, Paes promete fazer um projeto urbanístico para a área de modo a integrar os prédios ao bairro, evitando "a maldição dos conjuntos habitacionais".

A partir daí, Gaspari discorre sobre a polêmica questão das remoções de população e lembra uma curiosa e reveladora declaração do economista Sérgio Besserman, "presidente do IBGE durante o tucanato". Ao defender a remoção de favelas, Besserman deu um exemplo eloquente da virtude desse tipo de política pública: "A lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal da Zona Sul carioca, é um caso emblemático dos aspectos positivos que podem se seguir a uma remoção. Quando a favela foi retirada dali, em 1970, os imóveis da região, cujos valores vinham sendo depreciados, inverteram a curva e passaram a se valorizar."

E conclui Gaspari: "Certo, mas faltou dizer onde terminou a curva dos moradores da favela Praia do Pinto. Eles foram mandados para Cidade de Deus, símbolo internacional da depreciação do Rio de Janeiro, produto emblemático do urbanismo demófobo. A favela não foi removida de acordo com uma política pública. Numa noite a comunidade foi incendiada, provavelmente por Nero, o imperador que limpou Roma."

Gaspari se refere ao incêndio que, em 1969, destruiu a favela Praia do Pinto. Eu tinha 9 anos e morava no Leblon, então um bairro classe média baixa, e me lembro do incêndio e do desespero das pessoas. Até hoje não se sabe oficialmente como o fogo começou, mas na época dizia-se que os próprios bombeiros teriam colocado fogo nos barracos.

A favela da Praia do Pinto em 1965, onde hoje é o conjunto Selva de Pedra, no Leblon

Eu estava examinando um dos projetos de renovação urbana da zona portuária do Rio, com vistas às Olimpíadas e à Copa do Mundo. Duas coisas me chamaram a atenção: entre os autores do estudo da região para elaborar o projeto estão as mesmas empreiteiras que vão comandar as construções e as obras de renovação. Além disso, em uma das versões do projeto que vi, a área é considerada um "vazio geográfico" ou coisa que o valha. Ou seja, as pessoas que vivem ali nos prédios públicos desativados, que foram invadidos há mais de 40 anos, simplesmente não existem. Essa é a questão central: em termos de política pública e empreendimentos para a cidade, os pobres e miseráveis raramente são considerados como cidadãos.

Não se trata, como alguns idiotas pensam, de defender a favela como um lugar exótico e interessante. Fetichizar a miséria. Trata-se, isso sim, de considerar as pessoas que vivem nelas nas políticas públicas, isto é, como cidadãos da república, em vez de tratá-los como um problema a ser removido.

Bem, mas voltando ao Sagmacs, para comemorar os 50 anos desse estudo monumental, o Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro), do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ, preparou um colóquio de três dias, intitulado Aspecto humanos da favela carioca. A programação pode ser acessada no blog do LeMetro, clicando aqui. Entre algumas feras que vão participar do evento, estão: o próprio José Arthur Rio; o antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, coordenador do LeMetro; o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira; e terá ainda como convidada internacional Colette Pétonnet (LAU-CNRS), que fará a conferência de encerramento com tradução simultânea.

De minha parte, vou moderar a mesa 5: Favelas e políticas de segurança pública, que terá os seguintes participantes: Roberto Kant de Lima (InEAC-UFF; PPGA-UFF): Processos de administração institucional de conflitos: polícia e justiça nas favelas; Antônio Werneck (O Globo): Favelas: a cobertura jornalística depois da morte de Tim Lopes; Cel. Jorge da Silva (UERJ): Favelas e violência urbana. Uma pugna discursiva; Paulo Storani (SEMSEP-SG): A evolução das políticas de segurança pública para as favelas do Rio de Janeiro.

Reunião com os pesquisadores do LeMetro, no IFCS

domingo, 25 de abril de 2010

Uma caixinha de clitóris


Foi então que Ludmila a colocou sobre a mesa. Uma caixinha de sonhos esculpida com maestria em formato arredondado. A tampa, em alto relevo, reproduzia figuras abstratas, sinuosamente desenhadas. As cores evoluíam de variados tons de pele à sutileza rarefeita do azul claro. Na base do curioso objeto, a gradação era mais terrosa, com variações de raiz de árvore e musgos esverdeados. Terra e céu extremavam aqueles misteriosos feixes nervosos.

— Eis os clitóris! — disse ela orgulhosa, o sorriso, mais puxado para a esquerda, se unia ao olhar brilhante numa expressão sem-ver­go­nha.

— Obrigado, meu amor — respondi sinceramente comovido.

Ergui com cuidado a caixinha e a agitei levemente, colocando-a próxima ao ouvido, atendo ao som de miudezas soltas. Em seguida, me permiti passar os dedos por suas ondulações. A sensação era de pele exposta, arrepiada.

— Lindo trabalho! Foi você quem fez a caixinha?

— Isso.

Só então, solene e vagarosamente, abri a tampa. Ludmila sequer piscava. Um mormaço com prenúncio de chuva imediatamente preencheu a atmosfera enquanto examinava o conteúdo da caixa. Meus olhos, emocionados, orvalharam. Pequenas pérolas carnosas em minúsculo formato. Não conseguia dizer nada. Então, com toda a delicadeza do mundo, peguei uma das pérolas. Ludmila acompanhava tudo, sem ar. Olhei para ela e, em meio a uma tempestade de felicidade, pus na ponta da língua o diminuto trovão, absorvendo para sempre todo o seu mistério.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

De noite, na cama


Cria fama e deita-te na cama, diz o verso. Bem, embora longe de qualquer fama, boa ou má, já posso me deitar, fisicamente, sobre a cama. E, atendendo ao clamor dos leitores, publico aqui fotos do referido ninho. Se Dorival Caymmi colocou o ventilador em frente à poltrona, numa jogada de mestre zen, eu, remoto discípulo, coloquei o futom — aquele cheio de histórias, encontros e desencontros, na densidade de algodão prensado — sobre a cama nova. Uni, assim, o melhor do antes com o melhor do agora... e o futuro se abriu, brilhante.

A primeira noite trouxe sonhos cheios de ventania e lacunas. A memória veio escassa no dia seguinte. Mais um conjunto de sensações do que imagens e enrendos. E a sensação foi boa. Percebi que, com a cama, sinto mais a corrente de ar que atravessa o quarto, refrescando o calor. Acordei revigorado e me levantei sem esforço, o que já tornou o dia leve e ligeiro. Acendi um incenso raro, comprado com Soraya no século XII, numa loja balinesa, num shopping de Niterói. Tomei café, pão francês com gergilim, manteiga e queijo Minas pensando nela. Pus um CD do meu velho pai, que me deu a cama de presente.

E toda a semana tem sido boa desde então. A casa vai virando casa. Minhas coisas antes sempre ficavam amontoadas, quase nenhum móvel, como se eu estivesse pronto para sair e me mudar a qualquer momento. Agora, sinto que construo um ninho. Já tenho máquina de lavar, e ganhei um ferro da minha mãe. Bem, as estantes ainda não dão conta dos livros, mas isso é bom, pois a leitura exige uma certa desordem. Armário, fogão, geladeira, mesa... coisas banais. A cama completou o cenário e o apartamento virou um lugar.

Vou preparar o meu frango indiano, com curry, madras e garam massala, e arroz com açafrão, que Claudinha está trazendo de Istambul. Separar umas garrafas de tinto de boa safra e chamar os amigos para festejar a cama.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Associação de ex-jornalistas infelizes

Beaubourg em Paris, reportagem feita em 1995

Meu querido amigo Bruno Ribeiro postou em seu blog, vejam aqui, uma curiosa notícia sobre a criação na Espanha de uma associação de ex-jornalistas, convocando os profissionais de imprensa do país a uma vida digna fora das redações de jornais e demais campos do ofício. No post há vários depoimentos em vídeo e, nos comentário, também vários jornalistas e estudantes de jornalismo se manifestam. Pessoas que, ao abandonar a profissão, tiraram o peso da perda do prestígio profissional, da imposição de novas tarefas, como gravar, filmar e fotografar, além de escrever, ao mesmo tempo que o salário se achata cada vez mais.

Pensei na minha tese de doutorado sobre os ritos de interação social dos jornalistas na redação do Globo e na constatação das profundas diferenças entre as percepções do ofício entre as várias gerações de jornalistas. A minha, que via a profissão como um exercício cívico, a serviço da democracia, e que também se dá na boemia, isto é, em que o bar é cenário dos encontros com os coleguinhas, fontes e histórias, tornando-se uma extensão da redação. Por outro lado, a geração atual, muito mais voltada para a profissão como carreira: são jovens que dominam muito bem as novas tecnologias que estão transformando a maneira de difundir notícias. Ao conversar com eles, percebi que todos têm projetos de crescimento nas empresas, sonhando não só com bons salários, mas também com cargos importantes na hierarquia das redações.

É verdade que os tempos mudaram radicalmente. Minha geração vem do fim da ditadura, quando o jornalismo teve um papel importante e um prestígio como ofício como nunca se viu. Ser jornalista naquele início dos anos 80 era exercer uma escolha nobre. De lá prá cá, muita coisa mudou. No campo político, disseminou-se a ideologia neoliberal e uma lógica voltada para o mercado foi substituindo aquela outra, mais cívica, agora vista como retrógrada e atrasada. E o jornalismo vive como nunca a dicotomia entre ser uma insituição importante da democracia e um negócio voltado para o lucro dos acionistas das empresas jornalísticas, num balanço nem sempre equilibrado.

No campo tecnológico houve uma verdadeira revolução, com o fim de ofícios paralelos e subsidiários ao fazer jornalístico, como monstadores de paste-up, compositores de tipologias, entre outros. Primeiro o computador entrou na redação, reduzindo a necessidade de diagramadores, redatores, revisores, entre outros. Em seguida, chegou a internet e a revolução se completou. Ninguém sabe aonde isso vai parar e o próprio modelo do jornalismo como negócio está em questão, com as empresas sem saber como lucrar com as novas tecnologias, redes sociais e novas mídias.

Nesse processo, ocorrido em pouco mais de 30 anos, o prestígio do jornalista foi se esfarelando e hoje a profissão não tem nem sombra da força que já teve. Em parte, culpa do próprio jornalista, que é essencialmente uma categoria profissional extremamente desunida e pouco mobilizada para suas próprias questões profissionais. Em parte, culpa de um mercado de trabalho desfavorável, com a extinção de jornais importantes, como, por exemplo, o Jornal do Brasil, hoje apenas um arremedo do que já foi. O resultado foi um achatamento salarial profundo e a perda de benefícios importantes. Várias empresas jornalísticas sequer contratam pela carteira profissional, obrigando o jornalista a se tornar pessoa jurídica.

Família ribeirinha atravessa o rio Araguaia pelos bancos de areia, reportagem publicada na revista Manchete, em 1987

O tiro de misericórdia veio do Supremo Tribunal Federal, que acabou com a obrigatoriedade do diploma universitário de Comunicação Social para o exercício da profissão. Outro dia, a prefeitura de um município do interior do Rio anunciou um concurso público, oferecendo duas vagas para jornalista. Dizia o anúncio: "não é necessário diploma de jornalista. Remuneração: salário mínimo." Obrigado, Gilmar Mendes!

Mas também a qualidade e o tipo de informação disseminada pelas empresas jornalísticas mudaram radicalmente, esvaziando a qualidade de bom jornalismo investigativo, reportagens profundas e analiticas, séries extensas sobre determinado tema. O jornalismo impresso burocratizou-se na sofreguidão para acompanhar as notícias em quase tempo real, que a internet, o rádio e a TV oferecem, em vez de buscar um caminho próprio. Com isso, os temas giram basicamente em torno de faites divers e celebridades. As reportagens mais densas ficaram restritas às edições de domingo e a um ou outro caderno, como os de literatura, que, por suas especificidades, não podem escapar a um nível mais profundo de matéria jornalística. E são esses cadernos que correm o maior risco de extinção, pois são "fracos" como fontes de anunciantes.

Como já disse aqui algumas vezes, o que me atraiu ao jornalismo foi a possibilidade de entrar em contato com o outro. Conhecer o mundo desconhecido, viajar, me relacionar com pessoas de etnias, classes sociais, visões de mundo e cultura completamente distintas da minha própria. E, no começo, ainda consegui fazer bastante esse tipo jornalismo. Fiz reportagens na Amazônia, índios, ribeirinhos, numa época em que o tema ecológico era raro na imprensa, acompanhei a revolução sandinista, entre outras histórias que me colocavam frente ao outro, inclusive na minha própria cidade.

Talvez tenha sido essa disposição que tenha me levado a fazer mestrado e doutorado em antropologia. O jornalista e o antropólogo têm em comum o trabalho de campo, que, para o primeiro, é a reportagem e, para o último, a etnografia. A diferença, a grande diferença, é que, enquanto o jornalista busca o extraordinário, o fora do normal, o antropólogo quer estudar a regra, o que é convencional e se repete. No meu caso, desconfio que, ao atuar hoje em dois ofícios tão similares e tão díspares ao mesmo tempo, no fundo, sem me dar conta, busquei um amparo emocional para suportar ver um ofício se esfarelar no dia-a-dia da sua desimportância crescente.

Vendores de jornal em Matagalpa, Nicarágua, em 1988

sábado, 17 de abril de 2010

Voltando ao ar


Amigos, depois de três semanas, o Velox foi, enfim, consertado hoje. O problema: eles passaram o sinal para 8MB e a linha só suporta 1MB. Uma coisa simples de resolver, mas, entre a manifestação do problema e a visita do técnico, acumularam-se horas e horas, dias e dias, de mensagens eletrônicas, atendentes despreparados e frustração. Mas foi bom porque agora estou flertando com a Net (que me dizerm ser a mesma bosta) e talvez migre e economize uns trocados.

Como tudo na vida são sincronicidades, volto ao ar no mesmo momento em que ganhei de presente uma cama. Podem parecer eventos desconexos, mas a chegada da cama e a volta à rede têm lá suas complementaridades, pois colocam o meu espírito numa certa atmosfera de sonho, uma coisa onírica e cheia de possibilidades. Há mais de duas décadas dormia no chão, num futom feito por um mestre japonês. Todas as namoradas, todos os sonhos (e pesadelos) e horas e horas de sono se deram sobre esse amontoado de algodão prensado, que se adapta ao corpo de seu mestre. Uma coisa zen mesmo.

Mas de uns tempos pra cá, essa coisa riponga e alternativa do chão começou a exigir um esforço desconfortável e o teto da casa ficou muito distante. De passagem pelo Brasil, meu pai sacou tudo e me deu de presente uma cama. Dessas que são um caixote de madeira com um colchão meio duro em cima. King size. Coloquei o futom em cima dessa armação e minha vida mudou completamente. Não sei nem bem explicar. Mas o fato de estar novamente no ar me permite compartilhar o meu encantamento.

Por fim, aproveito para ilustrar este post com as fotos das meninas: Laura, Loli, Mila, Patrícia e Rafa dando saltos de Nijinski no aniversário de Luís, sábado passado. Fotos feitas com celular, pois minha máquina deu pau.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Tem boi na linha

Amigos, estou sem acesso à internet em minha casa. Há uma semana tento conseguir ajuda da empresa Oi, responsável pelo meu acesso à rede, e necas. Já reclamei com a Anatel, já reclamei com o Ombudsman da Oi, necas. Espero normalizar a situação ou encontrar uma alternativa a esta empresa desprezível em breve. Até lá, os posts estarão um tanto irregulares.