sexta-feira, 9 de março de 2012

Fado


O mundo acaba em tua boca
Onde cabe o fundo
Onde cala o som
Que emudece o texto
Cada vez que soltas a língua
E derramas sentidos
Palavras que escorrem
Inundam, me afogam
E me deixam ao léu
Ao vento, à toa, na boa,
Em frases vazias
Em que pese o que dizes
Teus assuntos de ninfa
Ainda que mintas
E, infeliz, te deites
Ao meu lado, um bocado
Enquanto canto este fado
De enfado, calado, sem tom

segunda-feira, 5 de março de 2012

Ainda o verão

O verão sempre teve em mim um efeito mágico. É como se as coisas pudessem, enfim, dar certo. A primeira vez que vivi essa sensação foi na infância, no Leblon, quando o bairro ainda era relativamente pobre e as pessoas se misturavam mais. Nós tínhamos uma turma de amigos da rua, na faixa dos 5 aos 9 anos, que, com uma ou duas mães, íamos à praia juntos, no que, para mim, parecia ser uma grande expedição por longos quarteirões e ruas. O prazer de pisar na areia, de entrar n'água sob o sol, é algo que ainda hoje perdura em mim. Uma sensação de euforia diante de coisas simples.

Aos 12 anos, no Píer de Ipanema, a euforia ganhou contornos sensuais. Estávamos em 1972, nas dunas do barato — com Gal gata, e Leila Diniz, mito —, e as meninas gritando sua liberdade sexual, por meio de um fiapo de biquíni, chamado “tanga”. Os corpos lânguidos estendidos sobre a areia, tostando ao sol. Nos tornáramos tribais e indígenas. O amor era intenso e misterioso. Também era despreocupado. Não havia ainda a sombra da morte, que a era da Aids trouxe. Tanatos invadindo a festa de Eros. As meninas gemiam, num soluço angustiado, tinham pelos, e suspiravam apaixonadas. O sexo era banal, mas extremamente profundo. Havia um grito de liberdade comportamental tão radioso quanto o sol. As maneiras de viver estavam mudando rapidamente, mas vivíamos em plena ditadura, o que atrapalhava muito.

Aos 20 anos, em minha primeira viagem à Amazônia, entendi a importância da intensidade do calor em minha vida. Depois de ter vivido, anos antes, nos Estados Unidos, e ter pego temperaturas geladas, compreendi que sou um ser do trópico. A depressão e tristeza que sinto no frio, se transformam em euforia sob o sol. E as matas suadas da Amazônia eram o calor na sua imensidão úmida. Entendi porque aquele povo ribeirinho vive numa intensidade preguiçosa e sensual. E me descobri da mesma tribo.

Mesmo agora, que o calor no Rio ganha alguns graus a mais, represado por edifícios que bloqueiam o fluxo do vento, ainda percebo vestígios da antiga euforia. Ela me faz ignorar as dores dos anos acumulados, da respiração abafada, das perdas amorosas e me estimula a caminhar pela cidade. Passo após passo, sigo rumo à orla mais próxima para morrer de saudade à beira do mar. É quando penso nas viagens que ainda quero fazer. E tudo, ainda, parece poder dar certo.