domingo, 3 de agosto de 2014

Cultura do Rio, noite e dia

A semana que passou foi marcada por algumas boas experiências isoladas em meio à solidão que permeia a vida por esses dias. Uma palestra na Biblioteca Parque da Presidente Vargas me levou a conhecer in loco um projeto de inclusão pela informação e o saber de primeiríssimo mundo. Em alguns instantes me senti no espaço da Biblioteca Mitterrand, em Paris. Mas o caso carioca é ainda mais radical pela estratégia de inclusão, dos equipamentos ao segurança treinado para agir mais como orientador do que como um herdeiro de uma ordem colonial que discrimina, segrega e brutaliza.


Os equipamentos, de altíssima tecnologia, sobretudo para as pessoas deficientes, estão efetivamente à disposição — e são usados por jovens e adolescentes da região da Central e do Campo do Santana. Foi um presente que a cidade ganhou (e há outras bibliotecas: Manguinhos, Rocinha, Niterói, e uma que ainda virá no Alemão). Já tinha visto fotos, e minha amiga Bia Caiado já tinha me contado sobre a maravilha que é o lugar, mas ir ao vivo é outra coisa completamente distinta. A experiência de estar lá é demasiadamente forte.

Confesso que fiquei emocionado em ver adolescente para cima e para baixo, usando aquele espaço. Além das atividades como leitura e audiovisuais, o espaço convida ao ócio da reflexão. É tudo muito gostoso e confortável. Tem jardins, cafés, poltronas desenhadas para engolir a pessoa, cabines de leitura, de vídeo, e uma biblioteca que ainda está sendo montada. Decidi doar parte dos meus livros.
Também tive a oportunidade de conhecer Vera Saboya, uma das idealizadoras do projeto, e fiquei impressionado por sua personalidade e beleza. Ela, que não tem vínculos ideológicos com o governo do estado, topou criar esse presente para a cidade e, agora, teme pelo futuro. Eu sou obrigado a concordar com ela, considerando a mentalidade dos candidatos que estão em disputa. Espero que não destruam essa obra viva, que é de todos nós. 


Estive lá para participar de um seminário sobre o Saara, o mercado adjacente à biblioteca. E essa foi outra emoção. Na plateia, estavam velhos comerciantes do mercado e eu me senti devolvendo a eles a oportunidade que me deram ao me acolher durante minha pesquisa ali. Fiquei ainda mais feliz por ter falado de improviso, já que as pesquisadoras que me antecederam, Paula Ribeiro e Neiva Vieira da Cunha, trataram do que eu me preparei para apresentar e com muito mais competência. Tentei dar um fecho ao que elas disseram, estimulando uma reflexão sobre identidades urbanas: sua força e sua transitoriedade. Um tema sempre presente em meus trabalhos.

E para culminar, reencontrei meu velho amigo Leo Feijó, que me presenteou com seu livro, Rio cultura da noite, que será lançado agora, sobre a história da noite carioca, da abertura dos portos aos dias de hoje. Tive oportunidade de examinar o livro este fim de semana e ainda estou impactado pela qualidade da pesquisa e do texto e o acervo de imagens que contém. Um levantamento que abrange quase tudo, de Madame Satã na Lapa à Copacabana da Bossa Nova; do Le Bateau ao Vivo 1 1//2, com Ademir e Big Boy à Mariozim, Furacão 2000, DJ Marlboro, Crepúsculo, Matriz etc. E o Leo abre o livro com uma constatação antropologicamente profunda: “Quanto mais vibrante é a noite, mais plurais são a sociedade e a cultura local”.