A semana que passou foi marcada por algumas boas
experiências isoladas em meio à solidão que permeia a vida por esses dias. Uma
palestra na Biblioteca Parque da Presidente Vargas me levou a conhecer in loco
um projeto de inclusão pela informação e o saber de primeiríssimo mundo. Em
alguns instantes me senti no espaço da Biblioteca Mitterrand, em Paris. Mas o
caso carioca é ainda mais radical pela estratégia de inclusão, dos equipamentos
ao segurança treinado para agir mais como orientador do que como um herdeiro de
uma ordem colonial que discrimina, segrega e brutaliza.
Os equipamentos, de altíssima tecnologia, sobretudo para as
pessoas deficientes, estão efetivamente à disposição — e são usados por jovens
e adolescentes da região da Central e do Campo do Santana. Foi um presente que
a cidade ganhou (e há outras bibliotecas: Manguinhos, Rocinha, Niterói, e uma
que ainda virá no Alemão). Já tinha visto fotos, e minha amiga Bia Caiado já tinha me contado sobre a maravilha que é o lugar, mas ir ao vivo é outra coisa
completamente distinta. A experiência de estar lá é demasiadamente forte.
Confesso que fiquei emocionado em ver adolescente para cima
e para baixo, usando aquele espaço. Além das atividades como leitura e audiovisuais,
o espaço convida ao ócio da reflexão. É tudo muito gostoso e confortável. Tem
jardins, cafés, poltronas desenhadas para engolir a pessoa, cabines de leitura,
de vídeo, e uma biblioteca que ainda está sendo montada. Decidi doar parte dos
meus livros.
Também tive a oportunidade de conhecer Vera Saboya, uma das
idealizadoras do projeto, e fiquei impressionado por sua personalidade e
beleza. Ela, que não tem vínculos ideológicos com o governo do estado, topou
criar esse presente para a cidade e, agora, teme pelo futuro. Eu sou obrigado a
concordar com ela, considerando a mentalidade dos candidatos que estão em
disputa. Espero que não destruam essa obra viva, que é de todos nós.
Estive lá para participar de um seminário sobre o Saara, o
mercado adjacente à biblioteca. E essa foi outra emoção. Na plateia, estavam
velhos comerciantes do mercado e eu me senti devolvendo a eles a oportunidade
que me deram ao me acolher durante minha pesquisa ali. Fiquei ainda mais feliz
por ter falado de improviso, já que as pesquisadoras que me antecederam, Paula
Ribeiro e Neiva Vieira da Cunha, trataram do que eu me preparei para apresentar
e com muito mais competência. Tentei dar um fecho ao que elas disseram,
estimulando uma reflexão sobre identidades urbanas: sua força e sua
transitoriedade. Um tema sempre presente em meus trabalhos.
E para culminar, reencontrei meu velho amigo Leo Feijó, que
me presenteou com seu livro, Rio cultura da noite, que será lançado agora, sobre a história da noite
carioca, da abertura dos portos aos dias de hoje. Tive oportunidade de examinar
o livro este fim de semana e ainda estou impactado pela qualidade da pesquisa e
do texto e o acervo de imagens que contém. Um levantamento que abrange quase
tudo, de Madame Satã na Lapa à Copacabana da Bossa Nova; do Le Bateau ao Vivo 1
1//2, com Ademir e Big Boy à Mariozim, Furacão 2000, DJ Marlboro, Crepúsculo,
Matriz etc. E o Leo abre o livro com uma constatação antropologicamente
profunda: “Quanto mais vibrante é a noite, mais plurais são a sociedade e a
cultura local”.