sábado, 4 de julho de 2009

Mexendo no fundo do baú


Eu e Clarissa, foto retirada do fundo do baú

Amigos, depois de duas décadas fotografando com negativo e slides, acabei formando sem querer um acervo que registra não apenas minha história pessoal, mas um período — entre meados dos anos 80 e fim dos 90 — em que muita coisa aconteceu. A luta pela democratização (Diretas Já, eleição do Tancredo, por exemplo), minhas viagens pela Amazônia, Cuba, Nicarágua, França... e sobretudo as pessoas que passaram por minha vida.

Em dezembro, comprei um scanner de negativo e comecei, lenta e preguiçosamente — ou como diria o Umberto Eco na sua erudição, delectatio morosa, a arte de demorar-se nas coisas (sobretudo no amor) para melhor degustá-las —, a digitalizar essas imagens, que estavam guardadas, organizadamente em arquivos etiquetados, dentro de caixas de papelão. A cada envelope de negativo que abro, uma história se descortina e a memória é assaltada com a "nitidez perversa da saudade", como diria García Marquez. Sobretudo por pessoas que foram embora para sempre ou que passaram fugidiamente pela minha vida, como Clarissa Alcântara, uma gaúcha, escritora sensível, com quem vivi intensos dez dias em novembro de 1988, no Rio. Depois, duas ou três cartas, um livro de presente e nunca mais notícias.


Maureen com um menina nicaraguense no colo

A mesma história, meses antes, no mesmo ano, na Nicarágua, com Maureen Moore, uma atriz americana que quis conhecer a revolução sandinista naquele então. Nos encontramos em Manágua e, de lá, viajamos de carona por mais oito cidades do país, entre as quais, Granada, Matagalpa, Juigalpa, Masaya, Pochomil... visitamos lagos, vulcões e sobretudo feiras e mercados, onde, em qualquer lugar do mundo, se conhece a alma de uma cidade (aliás, abro um parêntesis para mencionar os relatos e as fotos de meu amigo Bruno Ribeiro, que esteve na gelada Filândia, e registrou entre outras coisas o mercado de peixe, vejam aqui). Depois disso, eu e Maureen trocamos meia dúzia de cartas (naquele então não existia e-mail) e, enfim, perdemos contato para sempre. Fica a saudade, agora reacendida pelas fotos tiradas do fundo do baú.

Bem, pelo menos fica a saudade.

14 comentários:

Unknown disse...

Querido Paulo, obrigado pela parte que me toca. E grandes fotos as tuas! Não sei se vc recebeu meu recado, mas estou chegando ao Rio no próximo dia 17 e ficarei até o dia 20. Mande-me um e-mail para combinarmos um chope, caso esteja disponível nesse período. Grande abraço!

Marcelo Amorim disse...

Belas fotos e grandes lembranças, Paulo! Manda mais dessas. E me conta uma coisa: esse scanner que vc comprou não é para slides (positivos), é só para negativos mesmo, certo?

ipaco disse...

Salve, Bruno. Pode deixar, mano. Te envio um e-mail pra combinarmos um copo.

Marcelo, tudo bem? Não o scanner é aquele da HP G4050, ou coisa que o valha. Faz papel, negativo cor e p&b e positivo (slide), além de scannear documentos (tipo fas simile). Mas não é um scanner profissional. Estou tendo dificuldade de calibrar os tons de cinza. As fotos p&b tendem a ficar estouradas. Talvez seja eu que não sei regular o troço... Abs.

Marcelo Amorim disse...

Paulo, sou um cara essencialmente analógico, por isso eu não teria dúvida nenhuma de que o problema seria eu...rs

Tenho muitos slides de uma viagem que fiz para a Amazônia, no final da década passada. Se eu pudesse digitalizar esses positivos seria fantástico, porque o processo de revelação de slides via laboratório é muito caro. Mas não sei se no fim entendi direito. Essa máquina que vc comprou não faz isso a partir de slides, certo?

ipaco disse...

Faz sim, Marcelo. Ela vem com uns tipos de grade, onde você coloca o negativo, outras para o slide, e outra ainda para fotos de grande formato. Daí você encaixa a grade com as imagens na mesa de luz, fecha a tampa e, pelo programa instalado no computador, inicia o processo, definindo o tamanho do arquivo (quanto maior a definição mais pesado é o arquivo e mais lento o processo. Assim, se for para colocar no blog, por exemplo, uso no máximo 300 dpi). No programa você também pode corrigir eventuais defeitos (como superexposição, subexposiçção, sombra, contraste, brilho, saturação de cor, contraluz etc.), mas eu prefiro fazer isso no Photoshop, depois de ter as fotos digitalizadas... Outra opção é levar na loja de fotos. Hoje em dia já não é tão caro assim... Abs.

Marcelo Amorim disse...

Cara, você descortinou um novo horizonte pra minha vida :-) pior é que o povo aqui de onde trabalho tá dizendo que esse recurso existe há uns 10 anos, e eu não fazia ideia. Tenho uma HP em casa, não sei que modelo, mas é das recentes, deve dar pra fazer isso. Vou experimentar, se der certo serei um novo homem. E finalmente vou arrumar espaço no armário onde os slides estão hoje entulhados. Um abraço!

ipaco disse...

Prepare-se então, Marcelo. Mexe muito com a memória, gente que foi embora, como diria o Herbert Vianna... Estou fazendo devagarinho, pois tenho muita coisa mesmo. Abração.

Camaleoa disse...

Memórias... não tem coisa melhor, né? Relembrar tudo que já foi vivido, as pessoas que nos fizeram rir, amar intensamente, chorar, tudo tão frágil e insustentavelmente belo. E enquanto estivermos aqui, cheios de saúde, ou nem tanto, a gente continua a construção de cada dia, de mais memórias. La vida louca vida!
Fiquei também vidrada nesse scanner. O Edu tem um monte de negativo que eu nem sei por onde começar. Não acredito que qualquer scanner faça isso, não. Vou fazer uma pesquisa sobre o assunto e relaxar. Qdo me meter a mexer nesse material, tô preparada.
And kisses and abraços paulistanos.

ipaco disse...

É preciso fazer homeopaticamente, aos poucois, para que a alma suporte as emoções que cada imagem joga sem dó, sem corte, sem censura... A imagem, com todas as lembranças, com toda a saudade, saltam numa nitidez muitas vezes cortante...

beijos cariocas, minha camaleoa

Marcelo Amorim disse...

Tem razão, Paulo, tem razão, Camaleoa. Porém, os slides a que me referi não trazem pessoas, quer dizer, não trazem pessoas conhecidas. São o registro de uma viagem que fiz sozinho, então as pessoas que fotografei, em sua maioria, apenas passaram pela lente da minha câmera, não tinham nome nem lágrima que me tocasse. Claro, eu também estou ali, reconheço, como uma espécie de sujeito oculto de frases que não podem ser mais ditas. Mas acho que estou relativamente escolado, ou escaldado, sei lá. No meu novo blog, que ando tecendo bem aos poucos, tenho me espantado com a fluência da memória, como as coisas ressurgem, até aquelas que pareciam nunca mais; como as pessoas e fatos de 30, 40 anos atrás têm vindo a mim, feito amigos que não precisam de cerimônia pra entrar em casa. A gente vai pegar uma coisa e acaba esbarrando em outras.

Camaleoa disse...

Olha... não resisto. A gente tá é velhinho mesmo... hehehehe... E é bom demais, não? O Paulo tá ótimo com essa barba branca, o Marcelo, pela foto do perfil no blogger também tá ótimo, eu que fui um patinho feio quase o tempo todo, às vezes nem me reconheço. Com exceção das perdas durante o percurso, o resto, pra mim, nessa coisa de acumular lembranças, reconstruir vidas, renascer feito Fênix ou Shiva, é um puta elixir da juventude. Conclusão. Tamo aqui nesse papo todo dizendo que a gente soube viver bem os momentos todos e que a gente ainda continua craque nessa coisa toda, né não?
Quando eu deito minha cabeça no travesseiro sei que fiz o que queria, enfrentei o medo e fui feliz da melhor maneira que me foi possível. E é bom demais ter isso esclarecido na cuca. Acho que é uma das receitas para se manter tão cheio de vida e que fica estampado na nossa cara.
Beijos meninos.

ipaco disse...

Engraçado, acabei de ler uma entrevista com o Roberto DaMatta, na qual ele diz que envelhecer (ele está 73 anos) bem é saber se reinventar o tempo todo. O poeta Thiago de Mello, que será tema do próximo post, faz isso de uma maneira incrível. Eu estou apenas aprendendo a fazer isso e essa digitalização de fotos, releitura de cartas é parte do processo.

Camaleoa disse...

Pra você ver... o caminho é esse mesmo. Não tem outro jeito.

Marcelo Amorim disse...

Camaleoa, "ficar velhinho" só não é bom pra uma coisa: três doses de rabo de galo me derrubam bem mais fácil, hoje em dia :-(

ótimo final de semana pra todos