quinta-feira, 4 de julho de 2013

O velho Aurora de volta

Uma pausa na revolução em andamento para falar de coisas da vida. O velho Aurora foi comprado. O histórico bar da Visconde de Caravelas com Capitão Salomão, no limite entre Botafogo e Humaitá, faz parte da minha vida desde o fim dos anos 1970. Desde a época em que havia a figura história do garçom Lima, com sua arruda na orelha e um atendimento como não se vê mais. Nos primórdios era um ponto de encontro da juventude, especialmente músicos e atores. Suas paredes eram repletas de cartazes de shows e peças de teatro, na época em que as camisetas “Vá ao teatro” ainda não tinham sido sacaneadas pela turma do Cassetta com o complemento: “Mas não me chame”.Me lembro de mesas com Manduka, Enrica Bernardelli, Geraldinho Azevedo, entre outros, e discussões intermináveis e estratosféricas.

O casarão, de 1898, abriga um ambiente amplo, típico dos botequins do início do século 20. A cozinha tinha o bem servido carro-chefe: Lulas com arroz e brócolis. A lula vinha desfiada em tiras finas e o arroz verde ficava suculento. Comiam três. O lombo de bacalhau (àquela época ainda era possível comer bacalhau em botequim sem ficar pobre) à moda portuguesa era outro sucesso do bar. Tudo receita da família de meu amigo Rogério Loro, que trocou o bar pelo jornalismo. 


Depois, a família de Loro saiu, deixando o outro sócio tomando conta do lugar, a coisa começou a decair aos poucos. O prato com lula e arroz e brócolis nunca mais foi o mesmo (hoje em dia é possível comer algo semelhante no Bismarque, em Botafogo), e as carnes entraram firme, substituindo os peixes e frutos do mar. Além disso, o bar passou a ter o defeito de fechar cedo. Às 21h30 já era possível sentir o nervosismo dos garçons, apressando pedidos, avisando que a cozinha iria fechar e coisa e tal. A gota d’água foi a última vez que fui lá, há pouco tempo, com minha amiga Renata Malkes: só estavam servindo cerveja Itaipava. Só. 

Para mim, foi o sinal do fim de uma longa agonia. Aquela história do paciente com uma doença terminal e muito sofrimento, cuja morte acaba trazendo tanto alívio quanto dor. No caso do Aurora, temi que se tornasse mais um Belmonte. Mas eis que na terça-feira recebo a boa notícia: meu querido amigo Kadu Tomé, um dos sócios do Bracarense, comprou a casa. Kadu é um jovem empreendedor do ramo de botequim, com alma de botequineiro. Tenho certeza que saberá preservar a memória da casa e recuperar a imagem do velho Aurora, melhorando o que há para melhorar.