segunda-feira, 29 de março de 2010

Adeus, Armando

Thiago e Armando, bons companheiros

O jornalista Armando Nogueira nos deixou hoje, aos 83 anos. Ele vinha lutando contra um câncer no cérebro que, aos poucos, foi abocanhando seus movimentos. Mas a lucidez brilhante permaneceu aprisionada no corpo doente. Responsável pela implantação do telejornalismo na TV Globo, sua paixão mesmo era a crônica esportiva, que exercia com uma verve só comparável a dos grandes mestres. Apesar de sua intimidade com a linguagem televisiva, Armando era um sujeito de formação literária, seu raciocínio primário e primitivo era pelo texto escrito e pela leitura. Por isso, sua crônica tinha um estilo denso na percepção e leve no amarrar das frases. Uma raridade no hoje em dia, quando os textos são louvados por seu fôlego telegráfico. Não se aceitam mais os recursos que o idioma oferce ao ato da escrita.

Mas Armando também era músico. Tocava sua harmônica com talento e desenvoltura. Me lembro de algumas tardes de sábado na casa de Ana Helena, os saraus com Thiaguinho e seus companheiros de Escambo. Foi em sua casa que vi Armando pela última vez, há alguns meses. Um almoço com o poeta Thiago de Mello (quando tirei a foto acima). Armando já não tocava mais seu instrumento e conversava com dificuldade, mas suas frases eram certeiras. Desde o início do ano, sua saúde foi piorando. Mês passado, Thiago veio vê-lo de Manaus, ao saber da piora e nos trouxe notícias inquietantes. A doença havia avançado.

terça-feira, 23 de março de 2010

Ode ao Rebouças


O Rebouças é um pé-sujo simples, louvado por vários apreciadores de botequins, que reúne uma freguesia diversa e interessante. À noite, depois que o comércio ao redor fecha, seu Alberto, auxiliado pelo simpático garçom Jorginho, espalha mesinhas e cadeiras para uma clientela que às vezes chega aos três dígitos. No sábado passado, deppois de passar pela Modern Sound, Pavão Azul e Real Chope, tomei a saideira no Rebouças, acompanhado de minha amiga Bia Caiado. Saí de lá por volta das 2h30 e a coisa não parecia nem perto do fim.

Mila Chaseliov, que co-orientei na monografia de graduação com o Paulinho Pires, está preparando seu projeto de mestrado, focando na presença feminina em certos botequins de classe média. Como o Rebouças fica no aristocrático bairro do Jardim Botânico, ela escolheu o bar como um de seus campos de pesquisa etnográfica. E eu acompanhei já algumas incursões dela, digamos, ao campo, para discutir com ela, ajudar colocando questões etc. O seu diário de campo está repleto de anotações, desenhos e coisa e tal. Outro dia mesmo já participou de um churrasco da turma dos fregueses assíduos, que inclui um português de conversa solta, um astrofísico colombiano, um jovem advogado, algumas mulheres de personaidade forte e algumas celebridades que passam quase anônimas por ali. Vendo Mila trabalhar, me lembrei muito da minha pesquisa na Adeguinha, a Adega da Velha, do meu amigo Chico Rufino. De certo modo, estou revivendo isso tudo, ao acompanhar Mila.

O caso do Rebouças é daquele que é melhor calar. O bar está no ponto certo. Não precisa mais de público. Se encher mais vai estragar. Por enquanto, é sustentável. Os rissoles de camarão com catupiry, sequinhos e baratos, os pastéis, a cerveja gelada (me lembrou as cervas estupidamente geladas do Bar do Costa) são as especialidades. Lá inclusive passaram a vender Heinenken, a pedido de Mila. Agora, a cerveja holandesa, na ampola de 600ml, já domina o balcão. A Mila fez bem em escolher esse lugar, pois a presença feminina é constante. Segundo uma delas, as mulheres escolhem o bar pela assepsia do banheiro, tese discutível como lei geral, mas interessante. Até porque o Rebouças tem, no máximo, uns 20 metros quadradados e um único banheiro para homens e mulhres.

Depois da morte do Juca dei um tempo do Serafim. Passei lá uma noite, em que até fiz o bar brindar a ele, e sumi. Voltei lá no carnaval e fiquei decepcionado. Fui almoçar e não consegui terminar. Um prato sem gosto e sem tempero. Nem mesmo o chope estava no ponto. Houve uma época que o meu bar preferido foi o Serafim, como já foram o Bar do seu Manoel (ou Bode Cheiroso), Braca e a Adeguinha. Também freqüentei assiduamente o Jobi nos anos 80-90. Depois que Soraya Silveira Simões me apresentou ao Chalé, em Niterói, dividi com ela tardes e noites de chopes gelados e conversas estratosféricas ali. Hoje, confesso que estou gostando muito do Rebouças, mas sem alarde, por favor.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um morcego na porta principal

Jaguar e Macalé no Bar Botequim no lançamento de livro do Moacyr Luz

Recomendo a quem ainda não viu, que corra para não perder o documentário de João Pimentel e Marco Abujamra, Jards Macalé, um morcego na porta principal. É excelente. Acho que os dois conseguiram retratar bem o perfil de Macalé, pôr em evidência o momento em que ele aparece no cenário das artes, em meio a tropicalistas, MPBistas, bossa-novistas, além de suas incursões no cinema como ator (o ceguinho de Amuleto de Ogum, por exemplo), e no meio artístico em geral. Também traz à luz alguns de seus parceiros, como Abel Silva, os tropicalistas, Zé Celso, Tom Zé, Chacal. O Gil fala da incapacidade de Macalé seguir linearmente em sua carreira, e o Arnaldo Bloch deu uma elegante puxada de orelha no baiano. O próprio Macalé rejeita certos rótulos ("Maldito é a mãe!", brada logo no início do documentário). E o bom humor permeia todo o filme e não sei se o documentário é curto ou se é tão leve que não se sente o tempo passar.

O rótulo de maldito é de fato problemático e todos os malditos que conheço sempre o rejeitaram. Penso aqui em malditos mais malditos que o próprio Macalé, como Manduka e Sergio Sampaio. Em 1994, vi um show no saudoso Rio Jazz Club de Macao, Itamar Assumpção e Luiz Melodia, cujo apelo era justamente a reunião de três malditos. De certo modo, a internet abriu um espaço para resgatar essas pessoas, com sites, fóruns e gravações. De qualquer modo, o filme de Janjão e Abujamra é imperdível.

Para mim a passagem mais marcante é a decisão de Macao se matar, exatos dez anos depois de Torquato Neto. A narrativa desse drama, hilariante, explica muito sobre o momento. Especialmente o fato de ter acabado e se resolvido num porre homérico com Abel num pé-sujo. Tem os depoimentos de Nelson Pereira dos Santos e Zé Celso (este parecendo um profeta) uma entrevista a Jaguar.

Show de Macalé no Seis e Meia, em 2008

quarta-feira, 17 de março de 2010

O sol de Tininha


Conheci Tininha no século XII. Ela anda hoje em algum lugar entre a Itália e a Suíça. Ela foi a primeira de uma série de taurinas a atormentar o meu sono. Um dia, resolvemos brincar, dois amadores, com fotografia e ela se despiu pra mim. Eu estava começando no ofício e recebi uma tarefa de fotografar algo dentro do tema "sexo & erotismo". Fizemos uma série na praia, em que Tininha comia um sanduíche natural de ricota, com sofreguidão que toda aquela suculência exigia. Esse material acabou selecionado para uma exposição na Estação Carioca do Metrô. Ficamos orgulhoso e presuçosos. Até que um dos membros do júri (um finado fotógrafo do Globo) disse que o nível da exposição era baixíssimo e os cinco trabalhos selecionados eram os menos sofríveis. Mas então já estávamos contaminados. Fizemos, depois dessa estréia, centenas de fotos que foram parar na pequña caja de sueños de abrir y cerrar, onde se perdem negativos, cartas e outros resquícios de saudade. Nesse processo de digitar esse material, descobri imagens que não tinha visto direito das outras vezes. Agora, passados 25 anos dessa brincadeira, é legal olhar. Aqui duas imagens de uma série feita com filme Kodak VR 1000, ou seja, com muito grão. Hoje teria feito com o grão mais fino possível. Mas tudo, naquele então, era um teste, um ensaio.

sábado, 13 de março de 2010

Um post triste


Érica Ornellas é uma mulher impactante. É impossível não percebê-la quando, por exemplo, ela entra num recinto qualquer. Não só por sua beleza espontânea (com espontâneo, quero dizer sem tinta nos cabelos e outros artifício tão em moda hoje em dia), mas igualmente por uma espécie de luz que ela carrega. E se, além disso, você conseguir conversar com ela alguns minutos, pronto. Ficará arrebatado para sempre por sua inteligência sensível.

Nos conhecemos em Búzios, onde ela morava e mora até hoje. Era locutora da Búzios FM e depois apresentadora de alguns programas da TV Búzios. Os shows antológicos que a TV promoveu na península e cidades vizinhas, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença entre outros, foram apresentados ao vivo por ela. Foi casada com meu compadre Tito Rosemberg e, nessa época, o mundo era pequeno para nós todos.

Érica vem de uma família de sete filhas. No coração de São Paulo, uma casa abençoada pela presença feminina e de gatos. Estive lá uma vez e escrevi um conto que pareceu irreal, mas era a pura descrição dessas personagens.

Minha energia vai para ela, agora, nesse momento difícil. Érica foi casada com Glauco, o cartunista do Geraldão, com quem teve um filho lindo, figura tranquila, inteligente e com uma vida pela frente, de nome indígena: Raoni. Me lembro dele moleque dos seus 14 anos, com skate debaixo do braço. Os dois, Glauco e Raoni, foram assassinados ontem num crime incompreensível e absurdo. Raoni tinha 25 anos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mãe e filha na luz amarela

Achei essas fotos cavucando os arquivos. Mãe e filha sob uma luz alaranjada. Simone e Olívia num tempo que já vai de alguns anos.