Mas voltando ao catálogo dos marginais, a introdução,
escrita por Frederico Coelho, faz uma boa análise, mas senti uma certa forçação
para dar a esse grupo heterogêneo de poetas um sentido de grupo. Uma das suas
estratégias é separá-los de outros grupos de poetas da nossa contemporaneidade.
Mas como isso é insuficiente, ele não tem como escapar a certas contingências
históricas que explicam por que escritores distantes em seus estilos foram
reunidos sob o signo de marginal.
Isso me deu asas pra pensar muitas coisas, que só vou
alinhavar aqui, enquanto elas vão ganhando uma forma mais consistente em meu
raciocínio. Em primeiro lugar, fica claro que há agrupamentos e movimentos. Uma
coisa são os modernistas e as vanguardas pós-1950, com seus manifestos e cânones.
Por mais vanguardistas que sejam, esses movimentos têm vinculações com linhagens com tradições.
Como dizia o Risério, a vanguarda tem uma relação dialética com a tradição, nem
que seja o rompimento. E esses grupos se forjaram por meio desse relacionamento
problemático, o rompimento do filho com o pai, como uma espécie de processo
psicanalítico coletivo. Daí suas regras estritas expressas em manifestos e
prescrições. Combatem formalismo com formalismo.
Outra coisa bem diversa são agrupamentos. Os poetas
marginais e os da geração de 45 estão a meu ver nesse segundo grupo. Não dá
para classificar a poesia marginal ou a produção dos poetas de 45 como um
movimento, pois o que os amarra no discurso descritivo são coisas
contingenciais, como a forma material de produzir (o mimeógrafo, no caso dos
marginais), ou como preocupações estéticas gerais, como o retorno a certo
formalismo para romper com ele novamente, como no caso da geração de 45. Como
colocar no mesmo grupo, por exemplo, Geraldo Carneiro e Chacal; Cacaso e Wally
Salomão?
Há muito fetichismo e considerável desconhecimento sobre
esses agrupamentos. O próprio Coelho, na introdução do catálogo da exposição
dos marginais, se refere ao soneto como uma obrigatoriedade da produção poética da geração de 45. Taí um agrupamento pouco debatido, compreendido e mergulhado num relativo
esquecimento da crítica, da mídia e dos poetas contemporâneos. A volta ao
formalismo rompido pelos modernistas nunca foi perdoado. Foi mal compreendido como
um retrocesso em relação à vanguarda dos anos 1920. Mas, na verdade, a
experiência do retorno à forma era a forma de poder romper novamente com a
tradição. Antes de recorrer ao verso livre, aprender a redondilha e as
formalidades das linhagens tradicionais, reforçando a experiência do
rompimento.
Mas isso não está escrito em lugar nenhum. Aparece em
conversas dispersas, em pedaços de declarações e depoimentos incompletos. Nas entrelinhas. É
preciso pescar essa percepção das empoeiradas estantes das bibliotecas, mas
isso dá trabalho e uma geração como a de 45 não desperta interesse midiático. É
melhor falar de poetas ligados a certos movimentos, como as vanguardas pós-50,
abençoadas pelo tropicalismo de Caetano & Gil. Taí uma explicação possível para o
sucesso editorial da poesia de Leminski: sua vinculação por afinidade a uma
estética e filosofia que se tornou vitoriosa na contemporaneidade. O tropicalismo
é o hoje o nosso cânone.
Enquanto isso, lembro que o Coletivo Chama convida
para o show de lançamento do segundo CD do Escambo, Neon, hoje, no Espaço Cultural Sérgio
Porto, às 20h.