O professor José Arthur Rios, durante um seminário no Programa de Pós-Graduação da UFF
Há 50 anos, um grupo multidisciplinar de pesquisadores, liderados pelo sociólogo José Arthur Rios, iniciou a mais extensa e profunda pesquisa sobre os habitantes das áreas do Rio denominadas de favela. Cinco décadas depois, o resultado da pesquisa Sagmacs, como veio a ser batizado o projeto, ainda se mostra extremamente pertinente e atual, com as mesmas questões centrais, sobretudo aquelas que se referem às políticas públicas para os moradores. O velho dilema entre urbanizar ou remover, por exemplo, continua na pauta do dia; assim como o desconhecimento dos aspectos mais gerais da vida nas chamadas comunidades.
Recentemente, após a tragédia que se abateu sobre o Rio, provocada pela combinação de chuvas intensas, ocupação desordenada dos morros do estado fluminense e falta de política de Estado para as populações carentes, o assunto da remoção voltou a ganhar força, sendo defendido em editoriais dos jornais e a velha turma que pretende resolver o problema da miséria, e a violência associada a ela, empurrando as pessoas para o fim do mundo.
Foi interessante, nesse aspecto, ler a coluna do Elio Gaspari, domingo, no Globo. Na nota principal da coluna, chamada Cidade de Deus, nunca mais, ele elogia o prefeito Eduardo Paes pelo anúncio da construção de 170 prédios, com 3.400 apartamentos de 42,6 metros quadrados no bairro de Triagem, onde serão instaladas cerca de 13.500 pessoas que hoje vivem em favelas. Segundo Gaspari, a idéia é interessante porque o bairro é central, próximo à linha de trem e a 15 minutos do Centro. Além disso, Paes promete fazer um projeto urbanístico para a área de modo a integrar os prédios ao bairro, evitando "a maldição dos conjuntos habitacionais".
A partir daí, Gaspari discorre sobre a polêmica questão das remoções de população e lembra uma curiosa e reveladora declaração do economista Sérgio Besserman, "presidente do IBGE durante o tucanato". Ao defender a remoção de favelas, Besserman deu um exemplo eloquente da virtude desse tipo de política pública: "A lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal da Zona Sul carioca, é um caso emblemático dos aspectos positivos que podem se seguir a uma remoção. Quando a favela foi retirada dali, em 1970, os imóveis da região, cujos valores vinham sendo depreciados, inverteram a curva e passaram a se valorizar."
E conclui Gaspari: "Certo, mas faltou dizer onde terminou a curva dos moradores da favela Praia do Pinto. Eles foram mandados para Cidade de Deus, símbolo internacional da depreciação do Rio de Janeiro, produto emblemático do urbanismo demófobo. A favela não foi removida de acordo com uma política pública. Numa noite a comunidade foi incendiada, provavelmente por Nero, o imperador que limpou Roma."
Gaspari se refere ao incêndio que, em 1969, destruiu a favela Praia do Pinto. Eu tinha 9 anos e morava no Leblon, então um bairro classe média baixa, e me lembro do incêndio e do desespero das pessoas. Até hoje não se sabe oficialmente como o fogo começou, mas na época dizia-se que os próprios bombeiros teriam colocado fogo nos barracos.
A favela da Praia do Pinto em 1965, onde hoje é o conjunto Selva de Pedra, no Leblon
Eu estava examinando um dos projetos de renovação urbana da zona portuária do Rio, com vistas às Olimpíadas e à Copa do Mundo. Duas coisas me chamaram a atenção: entre os autores do estudo da região para elaborar o projeto estão as mesmas empreiteiras que vão comandar as construções e as obras de renovação. Além disso, em uma das versões do projeto que vi, a área é considerada um "vazio geográfico" ou coisa que o valha. Ou seja, as pessoas que vivem ali nos prédios públicos desativados, que foram invadidos há mais de 40 anos, simplesmente não existem. Essa é a questão central: em termos de política pública e empreendimentos para a cidade, os pobres e miseráveis raramente são considerados como cidadãos.
Não se trata, como alguns idiotas pensam, de defender a favela como um lugar exótico e interessante. Fetichizar a miséria. Trata-se, isso sim, de considerar as pessoas que vivem nelas nas políticas públicas, isto é, como cidadãos da república, em vez de tratá-los como um problema a ser removido.
Bem, mas voltando ao Sagmacs, para comemorar os 50 anos desse estudo monumental, o Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro), do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ, preparou um colóquio de três dias, intitulado Aspecto humanos da favela carioca. A programação pode ser acessada no blog do LeMetro, clicando aqui. Entre algumas feras que vão participar do evento, estão: o próprio José Arthur Rio; o antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, coordenador do LeMetro; o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira; e terá ainda como convidada internacional Colette Pétonnet (LAU-CNRS), que fará a conferência de encerramento com tradução simultânea.
De minha parte, vou moderar a mesa 5: Favelas e políticas de segurança pública, que terá os seguintes participantes: Roberto Kant de Lima (InEAC-UFF; PPGA-UFF): Processos de administração institucional de conflitos: polícia e justiça nas favelas; Antônio Werneck (O Globo): Favelas: a cobertura jornalística depois da morte de Tim Lopes; Cel. Jorge da Silva (UERJ): Favelas e violência urbana. Uma pugna discursiva; Paulo Storani (SEMSEP-SG): A evolução das políticas de segurança pública para as favelas do Rio de Janeiro.
Reunião com os pesquisadores do LeMetro, no IFCS
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