quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A lógica do som




Hoje, meu pai colocou um CD do Paulinho da Viola, que por coincidência está tocando esta semana no Carnegie Hall em Nova York, e a voz suave se insinuou pelo apartamento, enquanto lá fora Newark afundava no cinza e no frio. Fiquei pensando nesse universo musical que ronda a vida de certas pessoas como meu pai, como o Paulinho da Viola. A mecânica dos dias, as relações afetivas, a percepção do mundo, enfim tudo o que possa fazer sentido, a cognição mais básica, o afeto provém da música. É um raciocínio musical, em progressão harmônica, em evolução melódica e, sobretudo, rítmica. Figuras como ele são trespassadas por sons e existem em harmonia com eles.

Meu pai gosta de ver TV (esportes e notícias, nessa ordem), mas muitas vezes tira o som do aparelho e coloca uns CDs e se deixa levar pela música diante das imagens mudas. Aquilo me incomodava logo que cheguei aqui, mas percebi que é disso que ele é feito. O que para mim parece caos, para ele está em harmonia porque é a música e não a imagem que comanda a ligação com a realidade. Ele viaja. Eu olho e me preocupo. Penso que ele está triste ou alheio. E ele está a pleno vapor na sua coisa sonora. Na sua musica. De repente, ele se vira e diz algo que só poderia ser dito por alguém lúcido. Me lembra a expressão de Glauber Rocha dizendo para a câmera, numa entrevista, “vocês pensam que sou louco, mas eu sei o que estou fazendo”. Hoje, no café da manhã, ele me disse, num tom de quem descobriu um segredo luminoso, que ontem dormira ouvindo umas sinfonias. E foi assim que adormeceu bem e teve um sono mais confortável do que os dos dias anteriores.

Vê-lo tocar o piano, mesmo que brevemente, nos últimos dias, me encheu de alegria. O portentoso Steinway & Sons ressoou vigorosamente pela casa, a harmonia seguindo uma lógica precisa, dando coerência cromática à linha do baixo, como ele sempre gostou. E o mundo todo também faz sentido. Tudo se encaixa. Não há dissonância, exceto aquelas que dão prazer ao ouvido.

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