Hoje, meu pai colocou um CD do Paulinho da Viola, que por
coincidência está tocando esta semana no Carnegie Hall em Nova York, e a voz
suave se insinuou pelo apartamento, enquanto lá fora Newark afundava no cinza e
no frio. Fiquei pensando nesse universo musical que ronda a vida de certas
pessoas como meu pai, como o Paulinho da Viola. A mecânica dos dias, as
relações afetivas, a percepção do mundo, enfim tudo o que possa fazer sentido,
a cognição mais básica, o afeto provém da música. É um raciocínio musical, em
progressão harmônica, em evolução melódica e, sobretudo, rítmica. Figuras
como ele são trespassadas por sons e existem em harmonia com eles.
Meu pai gosta de ver TV (esportes e notícias, nessa ordem),
mas muitas vezes tira o som do aparelho e coloca uns CDs e se deixa levar pela
música diante das imagens mudas. Aquilo me incomodava logo que cheguei aqui, mas
percebi que é disso que ele é feito. O que para mim parece caos, para ele está
em harmonia porque é a música e não a imagem que comanda a ligação com a
realidade. Ele viaja. Eu olho e me preocupo. Penso que ele está triste ou
alheio. E ele está a pleno vapor na sua coisa sonora. Na sua musica. De
repente, ele se vira e diz algo que só poderia ser dito por alguém lúcido. Me
lembra a expressão de Glauber Rocha dizendo para a câmera, numa entrevista, “vocês
pensam que sou louco, mas eu sei o que estou fazendo”. Hoje, no café da manhã,
ele me disse, num tom de quem descobriu um segredo luminoso, que ontem dormira
ouvindo umas sinfonias. E foi assim que adormeceu bem e teve um sono mais
confortável do que os dos dias anteriores.
Vê-lo tocar o piano, mesmo que brevemente, nos últimos dias,
me encheu de alegria. O portentoso Steinway & Sons ressoou vigorosamente
pela casa, a harmonia seguindo uma lógica precisa, dando coerência cromática à
linha do baixo, como ele sempre gostou. E o mundo todo também faz sentido. Tudo
se encaixa. Não há dissonância, exceto aquelas que dão prazer ao ouvido.
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