Mas isso não confere necessariamente verdade e esses abalos, e achei rasa a afirmação de Caio sobre o velho Guima.
Chamá-lo de escritor regional é não perceber o vigor e a complexidade de sua
produção. É limitá-lo ao universo restrito da gemainschaft, o mundo rural em
oposição à vida urbana, rica em contrastes furiosos e constantes. Mas o universo
de Guimarães Rosa é de uma complexidade que está mais perto da gesellschaft. As grandes questões existenciais que perpassam o ser da cidade, também estão lá na mente dos personagens de Guimarães Rosa, enquanto olham a margem do rio.
Veja-se o caso de Grande Sertão: Veredas: Um romance em que o narrador é o protagonista, que dialoga com um interlocutor
invisível e que, muito provavelmente, vem do universo urbano. O pano de fundo
da história é uma guerra, justamente a guerra entre uma forma de vida de
valores patriarcais e religiosos que vai sendo confrontada pelo racionalismo da
República. Esse conflito é que põe o sertão em turbulência, com antigas e novas
forças sociais se digladiando Gerais afora adentro. Coronéis, jagunços,
vaqueiros, padres, policiais e outros personagens que se cruzam nesse drama
social trazem o contraste desses mundos em choque. Nosso protagonista,
Riobaldo, é arrastado contra sua vontade para esse conflito e se torna um
grande líder, depois de muito relutar. Ao mesmo tempo, se apaixona por um
companheiro, mergulhando numa crise de identidade profunda. Afinal, não se
reconhece como homossexual, mas não consegue explicar e muito menos negar a
atração por Diadorim. E, por fim, a profunda discussão metafísica sobre a existência
de Deus e o diabo. De fato, classificar um romance desse como uma mera produção
regional, com todo o respeito ao Caio, uma percepção míope.
Um trecho do Grande Sertão:
"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro — dá gosto! A força dele, quando quer — moço! — me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho — assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza."
2 comentários:
Guima é tão regionalista quanto Tolstói e Dante.
Exatamente!
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