Beaubourg em Paris, reportagem feita em 1995
Meu querido amigo Bruno Ribeiro postou em seu blog, vejam aqui, uma curiosa notícia sobre a criação na Espanha de uma associação de ex-jornalistas, convocando os profissionais de imprensa do país a uma vida digna fora das redações de jornais e demais campos do ofício. No post há vários depoimentos em vídeo e, nos comentário, também vários jornalistas e estudantes de jornalismo se manifestam. Pessoas que, ao abandonar a profissão, tiraram o peso da perda do prestígio profissional, da imposição de novas tarefas, como gravar, filmar e fotografar, além de escrever, ao mesmo tempo que o salário se achata cada vez mais.
Pensei na minha tese de doutorado sobre os ritos de interação social dos jornalistas na redação do Globo e na constatação das profundas diferenças entre as percepções do ofício entre as várias gerações de jornalistas. A minha, que via a profissão como um exercício cívico, a serviço da democracia, e que também se dá na boemia, isto é, em que o bar é cenário dos encontros com os coleguinhas, fontes e histórias, tornando-se uma extensão da redação. Por outro lado, a geração atual, muito mais voltada para a profissão como carreira: são jovens que dominam muito bem as novas tecnologias que estão transformando a maneira de difundir notícias. Ao conversar com eles, percebi que todos têm projetos de crescimento nas empresas, sonhando não só com bons salários, mas também com cargos importantes na hierarquia das redações.
É verdade que os tempos mudaram radicalmente. Minha geração vem do fim da ditadura, quando o jornalismo teve um papel importante e um prestígio como ofício como nunca se viu. Ser jornalista naquele início dos anos 80 era exercer uma escolha nobre. De lá prá cá, muita coisa mudou. No campo político, disseminou-se a ideologia neoliberal e uma lógica voltada para o mercado foi substituindo aquela outra, mais cívica, agora vista como retrógrada e atrasada. E o jornalismo vive como nunca a dicotomia entre ser uma insituição importante da democracia e um negócio voltado para o lucro dos acionistas das empresas jornalísticas, num balanço nem sempre equilibrado.
No campo tecnológico houve uma verdadeira revolução, com o fim de ofícios paralelos e subsidiários ao fazer jornalístico, como monstadores de paste-up, compositores de tipologias, entre outros. Primeiro o computador entrou na redação, reduzindo a necessidade de diagramadores, redatores, revisores, entre outros. Em seguida, chegou a internet e a revolução se completou. Ninguém sabe aonde isso vai parar e o próprio modelo do jornalismo como negócio está em questão, com as empresas sem saber como lucrar com as novas tecnologias, redes sociais e novas mídias.
Nesse processo, ocorrido em pouco mais de 30 anos, o prestígio do jornalista foi se esfarelando e hoje a profissão não tem nem sombra da força que já teve. Em parte, culpa do próprio jornalista, que é essencialmente uma categoria profissional extremamente desunida e pouco mobilizada para suas próprias questões profissionais. Em parte, culpa de um mercado de trabalho desfavorável, com a extinção de jornais importantes, como, por exemplo, o Jornal do Brasil, hoje apenas um arremedo do que já foi. O resultado foi um achatamento salarial profundo e a perda de benefícios importantes. Várias empresas jornalísticas sequer contratam pela carteira profissional, obrigando o jornalista a se tornar pessoa jurídica.
Família ribeirinha atravessa o rio Araguaia pelos bancos de areia, reportagem publicada na revista Manchete, em 1987
O tiro de misericórdia veio do Supremo Tribunal Federal, que acabou com a obrigatoriedade do diploma universitário de Comunicação Social para o exercício da profissão. Outro dia, a prefeitura de um município do interior do Rio anunciou um concurso público, oferecendo duas vagas para jornalista. Dizia o anúncio: "não é necessário diploma de jornalista. Remuneração: salário mínimo." Obrigado, Gilmar Mendes!
Mas também a qualidade e o tipo de informação disseminada pelas empresas jornalísticas mudaram radicalmente, esvaziando a qualidade de bom jornalismo investigativo, reportagens profundas e analiticas, séries extensas sobre determinado tema. O jornalismo impresso burocratizou-se na sofreguidão para acompanhar as notícias em quase tempo real, que a internet, o rádio e a TV oferecem, em vez de buscar um caminho próprio. Com isso, os temas giram basicamente em torno de faites divers e celebridades. As reportagens mais densas ficaram restritas às edições de domingo e a um ou outro caderno, como os de literatura, que, por suas especificidades, não podem escapar a um nível mais profundo de matéria jornalística. E são esses cadernos que correm o maior risco de extinção, pois são "fracos" como fontes de anunciantes.
Como já disse aqui algumas vezes, o que me atraiu ao jornalismo foi a possibilidade de entrar em contato com o outro. Conhecer o mundo desconhecido, viajar, me relacionar com pessoas de etnias, classes sociais, visões de mundo e cultura completamente distintas da minha própria. E, no começo, ainda consegui fazer bastante esse tipo jornalismo. Fiz reportagens na Amazônia, índios, ribeirinhos, numa época em que o tema ecológico era raro na imprensa, acompanhei a revolução sandinista, entre outras histórias que me colocavam frente ao outro, inclusive na minha própria cidade.
Talvez tenha sido essa disposição que tenha me levado a fazer mestrado e doutorado em antropologia. O jornalista e o antropólogo têm em comum o trabalho de campo, que, para o primeiro, é a reportagem e, para o último, a etnografia. A diferença, a grande diferença, é que, enquanto o jornalista busca o extraordinário, o fora do normal, o antropólogo quer estudar a regra, o que é convencional e se repete. No meu caso, desconfio que, ao atuar hoje em dois ofícios tão similares e tão díspares ao mesmo tempo, no fundo, sem me dar conta, busquei um amparo emocional para suportar ver um ofício se esfarelar no dia-a-dia da sua desimportância crescente.
Vendores de jornal em Matagalpa, Nicarágua, em 1988
5 comentários:
É curioso como eu, sendo mais novo do que você (uns 10 anos, presumo), penso e encaro o jornalismo da mesma forma. Vem daí, provavelmente, o meu sentimento antigo, de estar fora de moda no meu próprio tempo.
Salve, Bruno, acho que isso se deve à sua aguda percepção crítica da realidade, o jeito de olhar para além dos fatos em si. Abs.
cadê a cama?!
Vou fotografar!
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