quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Jobi, boteco do coração


O painel do Nilton Bravo e ambiente exíguo, elementos que reforçam o aconchego do Jobi

Amigos, o Leblon nem sempre foi o bairro burguês dramatizado nas novelas do Manoel Carlos. Nos anos 50, 60 e início dos 70 era um bairro de classe média baixa, com várias favelas, como a Praia do Pinto, que integravam a ecologia do bairro, numa época que o medo da violência era mais provocado pelo Estado militar do que pela delinqüência e a bandidagem. Eu sei, pois vivi minha infância ali, de 1965 a 1972, dos 5 aos 12 anos. Minha mãe trabalhava como balconista numa joalheria e a maioria dos nossos vizinhos também dava duro para sobreviver no Brasil do "Milagre". A partir dos anos 70, período do império de Sergio Dourado, as grandes imobiliárias começaram a lotear o bairro e as ruas bucólicas do Leblon passaram por um processo chamado de gentrification no jargão sociológico, isto é, de aburguesamento. A Praia do Pinto ardeu num incêndio criminoso e, em seu lugar, surgiu a Selva de Pedra. Enfim, os preços de tudo subiram e o bairro mudou para sempre, expulsando boa parte de seus antigos moradores.


Chiquiho e Edilson, o Ed, pupilos do Paiva no time de garçons do bar

Pois bem, o Jobi, o Bracarense e o Clipper são botequins do bairro, inaugurados mais ou menos nos anos 50 ou antes ainda. Ou seja, são uma sobrevivência do Leblon mais popular. E eu freqüento o Jobi desde a época em que se colocavam barris na calçada. Quando se bebe um chope no Clipper ou no Braca, dá para entender a razão do sucesso da casa (embora só isso, não explique tudo). Nada melhor do que num sábado de verão, sentar-se à calçada do Braca, depois da praia, para um chope cremoso. O primeiro gole é inesquecível. É claro, o Bracarense, do meu amigo Kadu, é superior ao Jobi no quesito chope e petiscos (e sou testemunha do esforço que a casa está fazendo para manter a qualidade da comida após a saída da saudosa Alaíde). Ainda assim, tenho pelo Jobi um apreço que é parecido ao samba em homenagem à Mangueira, não cabe explicação.


O balcão do Jobi, onde os assíduos se encontram. No fundo, o Narciso

Quando Manuel e Narciso fizeram a varandinha, para atender o pedido da vizinhança, que reclamava do barulho, pensei: "pronto, sem os velhos barris, acabou o Jobi." Estava enganado, até mesmo em relação a mim, já que passei a curtir aquele tablado. Acho que o segredo do sucesso é o aconchego que o boteco mantém. Mesmo nos dias de hoje quando, a exemplo do Braca, a casa lota a ponto de voltar a ocupar a calçada e de tornar difícil o encontro com os assíduos que compõem a freguesia do bar. Talvez uma boa definição do Jobi seja a que ouvi de meu querido amigo Zé Octávio: "o Jobi é um pub aberto!". Não é à toa que foi freqüentado por um grupo de irlandeses, que estavam no Brasil para um trabalho temporário de um ano. Todos os dias os gringos iam ao Jobi e até, numa dessas Copas do mundo, assistimos com eles, lado a lado no bar, o jogo entre Brasil e Irlanda, o qual vencemos bem. A quantidade etílica que se consumia nesses dias era digna de figurar no Guiness.


Os assados do Jobi: a porção de pernil fatiado com farofa é muito bem servida

O Jobi tem ainda os garçons. Não me refiro apenas ao Paiva, o patriarca da turma que trabalha na casa hoje, mas também a seus pupilos, como o Ed, o Chiquinho e o Jardel. Certa vez, ao tecer elogios a essa categoria profissional referindo-me especificamente ao Paiva, ao saudoso Lima, do Aurora, e ao Vieira, do Lamas, fui bruscamente interrompido por meu querido Moacyr Luz, que, tijucano típico (ou seja, um ser desconfiado de tudo e de todos) me dizia que todo garçom, no fundo, só quer se dar bem. Quem ja sofreu com parcas choradas na dose de uísque ou na contabilidade inflacionada das bolachas de chope na hora da conta pode dar razão ao Moa. Mas, mesmo assim, reconheço as muitas vezes em que esses profissionais salvaram amigos bêbados de uma boa sova, acompanharam damas solitárias até o carro ou mediaram delicadas negociações de pendura com o portuga atrás do caixa. A turma que trabalha no Jobi já fez tudo isso.


Eu e Paiva no Jobi, numa foto de meu amigo Nelson Vasconcelos

Mas, voltando ao Jobi e para concluir, quero dizer que aprecio a magia desse boteco, o último a fechar no Leblon, que mesmo lotado e na moda, ainda me dá a sensação de estar em casa quando chego ao seu balcão.

Endereços dos citados:

Jobi
Av. Ataulfo de Paiva, 1.166 - Leblon
2274-0547

Bracarense
Rua José Linhares, 85 - Leblon
2294-3549

Clipper
Rua Carlos Góes, 263 - Leblon
2259-0148

Aurora
Rua Capitão Salomão, 43 - Botafogo
2527-8880

Lamas
Rua Marques de Abrantes, 18 - Flamengo
2256-0799

14 comentários:

Anônimo disse...

O Paiva é o único que presta nesse Bar. Os outros garçons e o Dono formam uma quadrilha! A polícia deveria bater diariamente nesse ponto, é assalto atrás de assalto. Inúmeras vezes percebi erros grosseiros na minha conta e como sempre, pra mais!

Vão roubar na puta que pariu, FILHOS DA PUTA!

Anônimo disse...

Amigo PT,

Sou obrigado a discordar de você em gênero, número e grau.

Fui frequentador do Jobi por décadas, reconheço no bom Jardel e no Zé [do balcão, na chopeira] dois bons valores, mas não dá para ir a um local em que as contas, invariavelmente, vêm ERRADAS [com maiúsculas, se é que me faço entender].

Pedir saideira lá não rende nem cafezinho, não há um mísero traço de generosidade por parte dos donos, e inexiste qualquer possibilidade de traçar perfil de frequentadores assíduos, já que mesmo os de outrora, dos domingos pós-praia, migraram para a [cáspite!] Pizzaria Guanabara.

E, muito cá entre nós, trata-se do restaurante [não é buteco, muito menos, perdoe, pub aberto] mais caro que se tem notícia, um bacalhau que nem é lá essas coisas, custa o mesmo que o do Antiquarius [que também não é lá essas coisas, diga-se].

Fraterno abraço,
Fraga

Anônimo disse...

Pois é... os comentário de Anònimo e Fraga me parecem bem pertinentes. A reclamação é geral. Pouco vou lá, mas percebo bem a diferença. Mas é o tal negócio: a falta de concorrência provoca esses abusos. De qq maneira, sou fã é do Paulo Thiago. abraçooo

ipaco disse...

Tudo bem, galera, é verdade que está caro e cheio e tem o problema da "conta errada" e coisa e tal, mas foi o que eu disse: não sei explicar o que tem aquele bar, mas eu gosto do Jobi. Me lembra o bairro da minha infância, que hoje não existe mais. Gosto de pintar por lá um sábado à tardinha, sempre encontro um ou outro conhecido e jogo conversa fora. E, depois, é um dos poucos que ficam abertos a noite toda.

Fraga disse...

Amigo PT,

Sem querer estender o assunto, não vou acender vela para pouco defunto, mas a última coisa a que o Jobi nos remete é o bairro da infância.

Não há um único leblonista [dos bons] que ainda frequente esse estabelecimento, hoje mero reduto de paulistas e deslumbrados, que estão mais interessados em disparar ligações de seus celulares para os "manos" e enviar fotografias do local.

E, muito cá entre nós, fazer vista grossa para o, como você nomina, "problema da conta errada", é o fim da picada.

Pena, mesmo, é o Braca também ter sucumbido às invasões bárbaras.

Fraterno abraço,
Fraga

ipaco disse...

Fraguinha, querido amigo, entendo sua posição e sua bronca. E respeito. Só que, pra mim, o Jobi ainda traz evocações de um Leblon que vivi na infância e que hoje não existe mais. Pode ser mera fantasia saudosista e romântica, tudo bem, mas é o que me bate quando entro naquele bar. Não vou afirmar que ocorra com todo mundo. Quanto ao problema da conta, é uma reclamação que já ouvi de várias pessoas, mas devo dizer, a bem da verdade, que comigo não aconteceu (ou aconteceu e eu não percebi). Pena mesmo é o fato de o Jobi, como a maioria dos botecos, ter ficado caro demais. Já com relação às invasões bárbaras, é um problema sem solução. Botequim, que era coisa de marginal, vagabundo, boêmio e alcoólatra, hoje virou moda. Sai nos jornais (e blogs), livros, tem júri de especialistas e o escambau. A galera corre atrás, lota e descaracteriza. Por isso, continuo valorizando o boteco da esquina, ele é sempre o mais próximo e o melhor (até virar point).

grande abraço
pt

Fraga disse...

PT,

Concordo integralmente com sua leitura a respeito do neomodismo dos butiquins, e agora, de endereço novo, tenho frequentado uma pequena pérola, o Zig-Zag, ao lado da Casa da Feijoada, onde temos um mocotó de primeiríssima linha e Serramalte mofada.

Quando puder aparecer, é meu convidado de honra.

Por último, quanto à sua otimista esperança de que o "erro" não tenha acontecido com você, esteja certíssimo, ele passou despercebido.

Saravá!

Fraga disse...

PT,

Concordo integralmente com sua leitura a respeito do neomodismo dos butiquins, e agora, de endereço novo, tenho frequentado uma pequena pérola, o Zig-Zag, ao lado da Casa da Feijoada, onde temos um mocotó de primeiríssima linha e Serramalte mofada.

Quando puder aparecer, é meu convidado de honra.

Por último, quanto à sua otimista esperança de que o "erro" não tenha acontecido com você, esteja certíssimo, ele passou despercebido.

Saravá!

Marcelo Moutinho disse...

Vezenquando apareço por lá, e tendo a concordar com mestre Fraga: os erros nas contas são irritantes. Já 'vacinado', fico de olho. Mas o principal é que o Jobi nunca foi um bar daqueles nos quais me sinto totalmente à vontade, como o Bip Bip, o Bar Brasil, o Capela, mesmo o Lamas (onde já fiquei sem entrar por um ano).

Luiz C. Salama disse...

Acho que Ipaco e Nelson Botafogoncelos sao grandes sujeitos e entendedores do espirito do chopp com o cotovelo no balcão.
Nelson entao, agora até deu pra fotografar!

Mas a pergunta que nao quer calar: Quem é o salafrario que entra num boteco e pede uma cerveja sem álcool?

hugz from the jungle.

Luiz Salama
fotolog.net/dr_ocio

ipaco disse...

Salve, Marcelo. Bem-vindo por estas bandas. Pois é, soube de umas histórias escrabosas pelo Fraguinha. Mas já disse porque me sinto à vontade por lá.

Luiz, vc foi o único que notou a lata da cerveja sem álcool no balcão. Deves ser um fotógrafo pra reparar nessas sutilezas. Pois é, o sujeito em questão é um amigo que estava impossibilitado de beber e em vez de preferir a dignidade de uma garrafa d'água, pediu esse troço... Seja bem-vindo ao Pendura.

Luiz C. Salama disse...

Dublê de fotografo e medico. treinado pra observar detalhes que escapam aos demais "mortais" rsrsrsrs

mis cosas. disse...

Primeiro quero parabenizar o dono do Blogger,to buscando o tema a algum tempo e ainda não tinha achado nada de leitura tão agradável...
Sou estudante de História no último ano dafaculdade e estou tentando fazer minha monografia sobre botequins do Rio de Janeiro(a principio,centenários),se alguém ai tiver algum material que possa compartilhar vai me ajudar muito,além de blogger que já esta judando...desde já adradeço...abçs a todos!!!

ipaco disse...

Salve, Camile. Seja bem-vinda. Tenho uma pequena bibliografia, mais na área de antropologia e sociologia do que história, e alguns livros jornalísticos e de crônicas. De história sugiro dois livros: o Meu lar é o botequim, da Maria Izilda, que trata das letras de música sobre bebedeira e botequim. E tam ainda o livro do Sidney Chaloub, Lar, trabalho e botequim, que é sobre o espaço de sociablidade da classe operária fluminense do início do século passado. Ambos muito bom. abs. pt.