sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sou feito de verbo e complemento

Meus canais de sensibilidade e emoção foram configurados no século passado por meio da leitura. Minha cognição, imaginação e sentimentos são fundamentalmente literários. Em vez de ver um filme, como as pessoas audiovisuais ou abrir camadas sobre camadas de realidade num pensamento digital, como os mais novos, traduzo o mundo ora como prosa ora como poesia.

Por isso sou dramático e verboso. Estou completamente fora do tempo, do momento atual. Oscilo entre um parnasiano exagerado e experiências modernistas, dependendo dos estímulos. Não chego nem mesmo a ser concretista, como os irmãos Campos e Pignatari. Minha sintaxe interna requer o verbo e o complemento. 

Para interagir no mundo de hoje preciso traduzir. E isso me dá uma percepção de viés, interpretada, indireta. Transformada em narrativa que se conta em voz alta ou à meia voz. Às vezes, sussurrada. 
De modo que a vida transcorre oblíqua em mim.

Talvez isso até explique minha miopia — e não o contrário. Já nasci assim, nas fôrmas da literatura, das letras, e o corpo moldou-se como convinha. E, além disso, sou mineiro, dado a transformar tudo em enredo.