segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Botafogo, o subúrbio da zona sul


Os músicos da roda de samba do Salvação, todos os domingos a partir das 17h

Amigos, sou morador da parte velha de Botafogo, aquele pedaço entre as ruas General Polidoro, Passagem e Álvaro Ramos, onde existiu o grande Barbas, do Nelsinho Rodrigues Filho. É uma parte antiga do bairro, que começa a se transformar à medida que novos prédios vão substituindo os velhos sobrados ou os edifícios antigos de dois ou três andares, sem elevador. Mas, por enquanto, o bairro continua com seu comércio de rua, crianças soltando pipa e jogando bola e as calçadas cheias de vida.


No Sorriso da Morena, os músicos se preparam para levar uma toada de MPB

Com muitos bares, cinemas e teatros, Botafogo deixou de ser mero bairro de passagem. Mas, uma coisa me chama a atenção: a variedade de botecos. Desde casas como a Adega da Velha, com sua culinária nordestina, ou melhor cearense, sob o comando do Chico Rufino, até o velho pé-sujo Sanssaruê, que reabriu após a morte do dono, seu José de Souza Coelho, português de boa cepa. Aliás, depois que o Leo Feijó abriu a Drinkeria Maldita, aqueles botequins da Voluntários da Pátria, do outro lado da rua, ganharam uma freguesia inesperada: os universitários que preferem a cerveja e os petiscos mais baratos dos botecos.


A animada roda de samba do Belmiro ocorre uma vez por mês

Tenho gostado muito do clima descontraído do Sorriso da Morena, que tem uma comida caseira honesta, embora não seja nada de especial. Em compensação oferece um variado cardápio musical, com rodas de chorinho, samba e MPB a partir de terça-feira (mas é bom ligar antes de ir). O boteco fica em frente à praça Mauro Duarte (o falecido sambista, parceiro de Walter Alfaiate, ambos moradores do bairro). Na praça iam erguer um edifício, mas os moradores se uniram e conseguiram manter o espaço público, graças a um projeto do Eliomar.


O Sorriso da Morena à noite: está começando a lotar

Já o Belmiro tem uma roda mensal que reúne amadores e profissionais, com o microfone aberto para quem quiser se aventurar no gogó. Entre os músicos, meu amigo Aluizio Maranhão. Como o Sorriso, o Belmiro é um boteco de esquina e isso já dá uma atmosfera especial à casa. Pena que o atendimento tenha lá suas falhas e uma certa malandragem, como cobrar 10% de quem bebe em pé no balcão.


O chope do Belmiro é razoável, mas cuidado com os 10 por cento no balcão

O Boteco Salvação tem uma roda de samba aos domingos à tarde que é muito legal, além de oferecer cervejas caseiras, como vários tipos de Bamberg e Colorado, entre outras. O clima dos domingos é muito legal, reunindo várias gerações de boêmios e até os gringos (e recém-separados) que vivem no Albergue ao lado. Como no Bip, o samba tem hora para acabar, segundo um acordo fechado entre o bar e a vizinhança.


Os tambores de Candombê dos Tocadores da Lua, tradição em Botafogo

Enfim, vale a pensa andar pelo bairro, aproveitar seus blocos de carnaval, como o Barbas, com seu banho de brucutu, o Empolga, ou os Tocadores da Lua, levando os tambores uruguaios do Candombê, com uma pequena banda de sopros. Ou então simplesmente escolher um entre as centenas de botecos e deixar o tempo escorrer.


Uma bamberg estupidamente gelada, no Salvação: o primeiro gole é inesquecível

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Jobi, boteco do coração


O painel do Nilton Bravo e ambiente exíguo, elementos que reforçam o aconchego do Jobi

Amigos, o Leblon nem sempre foi o bairro burguês dramatizado nas novelas do Manoel Carlos. Nos anos 50, 60 e início dos 70 era um bairro de classe média baixa, com várias favelas, como a Praia do Pinto, que integravam a ecologia do bairro, numa época que o medo da violência era mais provocado pelo Estado militar do que pela delinqüência e a bandidagem. Eu sei, pois vivi minha infância ali, de 1965 a 1972, dos 5 aos 12 anos. Minha mãe trabalhava como balconista numa joalheria e a maioria dos nossos vizinhos também dava duro para sobreviver no Brasil do "Milagre". A partir dos anos 70, período do império de Sergio Dourado, as grandes imobiliárias começaram a lotear o bairro e as ruas bucólicas do Leblon passaram por um processo chamado de gentrification no jargão sociológico, isto é, de aburguesamento. A Praia do Pinto ardeu num incêndio criminoso e, em seu lugar, surgiu a Selva de Pedra. Enfim, os preços de tudo subiram e o bairro mudou para sempre, expulsando boa parte de seus antigos moradores.


Chiquiho e Edilson, o Ed, pupilos do Paiva no time de garçons do bar

Pois bem, o Jobi, o Bracarense e o Clipper são botequins do bairro, inaugurados mais ou menos nos anos 50 ou antes ainda. Ou seja, são uma sobrevivência do Leblon mais popular. E eu freqüento o Jobi desde a época em que se colocavam barris na calçada. Quando se bebe um chope no Clipper ou no Braca, dá para entender a razão do sucesso da casa (embora só isso, não explique tudo). Nada melhor do que num sábado de verão, sentar-se à calçada do Braca, depois da praia, para um chope cremoso. O primeiro gole é inesquecível. É claro, o Bracarense, do meu amigo Kadu, é superior ao Jobi no quesito chope e petiscos (e sou testemunha do esforço que a casa está fazendo para manter a qualidade da comida após a saída da saudosa Alaíde). Ainda assim, tenho pelo Jobi um apreço que é parecido ao samba em homenagem à Mangueira, não cabe explicação.


O balcão do Jobi, onde os assíduos se encontram. No fundo, o Narciso

Quando Manuel e Narciso fizeram a varandinha, para atender o pedido da vizinhança, que reclamava do barulho, pensei: "pronto, sem os velhos barris, acabou o Jobi." Estava enganado, até mesmo em relação a mim, já que passei a curtir aquele tablado. Acho que o segredo do sucesso é o aconchego que o boteco mantém. Mesmo nos dias de hoje quando, a exemplo do Braca, a casa lota a ponto de voltar a ocupar a calçada e de tornar difícil o encontro com os assíduos que compõem a freguesia do bar. Talvez uma boa definição do Jobi seja a que ouvi de meu querido amigo Zé Octávio: "o Jobi é um pub aberto!". Não é à toa que foi freqüentado por um grupo de irlandeses, que estavam no Brasil para um trabalho temporário de um ano. Todos os dias os gringos iam ao Jobi e até, numa dessas Copas do mundo, assistimos com eles, lado a lado no bar, o jogo entre Brasil e Irlanda, o qual vencemos bem. A quantidade etílica que se consumia nesses dias era digna de figurar no Guiness.


Os assados do Jobi: a porção de pernil fatiado com farofa é muito bem servida

O Jobi tem ainda os garçons. Não me refiro apenas ao Paiva, o patriarca da turma que trabalha na casa hoje, mas também a seus pupilos, como o Ed, o Chiquinho e o Jardel. Certa vez, ao tecer elogios a essa categoria profissional referindo-me especificamente ao Paiva, ao saudoso Lima, do Aurora, e ao Vieira, do Lamas, fui bruscamente interrompido por meu querido Moacyr Luz, que, tijucano típico (ou seja, um ser desconfiado de tudo e de todos) me dizia que todo garçom, no fundo, só quer se dar bem. Quem ja sofreu com parcas choradas na dose de uísque ou na contabilidade inflacionada das bolachas de chope na hora da conta pode dar razão ao Moa. Mas, mesmo assim, reconheço as muitas vezes em que esses profissionais salvaram amigos bêbados de uma boa sova, acompanharam damas solitárias até o carro ou mediaram delicadas negociações de pendura com o portuga atrás do caixa. A turma que trabalha no Jobi já fez tudo isso.


Eu e Paiva no Jobi, numa foto de meu amigo Nelson Vasconcelos

Mas, voltando ao Jobi e para concluir, quero dizer que aprecio a magia desse boteco, o último a fechar no Leblon, que mesmo lotado e na moda, ainda me dá a sensação de estar em casa quando chego ao seu balcão.

Endereços dos citados:

Jobi
Av. Ataulfo de Paiva, 1.166 - Leblon
2274-0547

Bracarense
Rua José Linhares, 85 - Leblon
2294-3549

Clipper
Rua Carlos Góes, 263 - Leblon
2259-0148

Aurora
Rua Capitão Salomão, 43 - Botafogo
2527-8880

Lamas
Rua Marques de Abrantes, 18 - Flamengo
2256-0799