domingo, 29 de março de 2009

Saudades do Juca


Zé Lins do Rêgo na caricatura de Baptistão

Li no Blog do Moa que o Juca, do Bar do Serafim e outras tantas boas casas do ramo, faleceu na última quinta-feira. Alguns dias antes, já havia publicado aqui uma nota sobre sua internação. Pena. Eu e Zé Octávio estávamos combinando uma visita surpresa ao amigo no hospital, falamos disso à mesa de bar, como convém. Mas o encontro não se materializou. A última vez que conversei com Juca foi no Serafim, coisa de meses, não me lembro bem. Ele já estava sem beber há algum tempo, mas o fígado não dava trégua. Quando soube que ele havia sido internado novamente e que o prognóstico não era bom, tive um mau pressentimento, que rapidamente afastei com a esperança de que ele saísse mais uma vez do hospital. Meu pressentimento estava mais certo que minha esperança.


Mila Chaseliov, Leo Feijó e Juca Ribeiro na premiação da Veja Rio aos melhores botequins do Rio, há três anos

Como disse no post anterior, tenho orgulho de estar na parede do Bar do Serafim, um dos meus prediletos. O pequenino boteco tem o tamanho certo do aconchego e uma relação de histórias tão saborosas como seus pratos transmontanos. Certa vez, por exemplo, estava ao balcão, trocando idéias com o Juca, quando chegou um velho freguês — velho tanto no sentido de antigo cliente como por ter a idade avançada —, vindo do hospital que fica a um quarteirão do Serafim. Entrou na casa eufórico, deu um soco no balcão, onde espalhou uma batelada de exames médicos: eletrocardiograma, exame de sangue, gráficos e tabelas de sua saúde. Em tom solene, entregou a papelada para um surpreso Juca do outro lado do balcão e mandou:

— Me serve uma branquinha, Juca, manda fazer um quadro e pendura esses exames na parede. Meu coração está tinindo.

Me lembro do orgulho vaidoso do Juca em relação aos bigodes a la Dom Pedro. Risonho, sempre me contava dos inúmeros anúncios de TV que fez por causa dos fios alongados dos bigodes. Motivo de gozação dos assíduos, como o Amaral, um coroa de barba branca e ar de general. Sempre que entra no Serafim, grita para a turma atrás do balcão:

— Canalhas!

É boa parte desse clima descontraído, dessa atmofera de gozação, que ficamos privados com a passagem do Juca. Mas fica o consolo de que ele viveu a boa vida. É a memória das coisas boas, das situações humanas, dos defeitos, daquilo tudo de singular que deu personalidade a uma existência que nos conforta e atormenta, com a passagem de pessoas queridas.


Thiago com o violão, no cardápio do almoço histórias de Zé Lins

Ano passado conversava com o poeta Thiago de Mello, num almoço emocionado, em que ele pegou o violão. Estávamos num dos raros momentos em que ele deixa a floresta para participar de alguma coisa no Rio. Nesse dia, falamos dessas perdas, a morte prematura de Manduka, seu filho, e ele me contou algumas passagens dos últimos dias de José Lins do Rêgo, no hospital, para onde o poeta se mudou para não deixar o amigo sozinho. Como Juca, Zé Lins morreu de complicações no fígado. No caso do autor de Fogo Morto, uma esquitossomose, pega na sua infância nos engenhos nordestinos.

Zé Lins era um gozador e bricalhão e Thiago me contou dos elaboradíssimos trotes telefonicos que, do leito do hospital, ele passava com a cumplicidade de seu amigo De Mello, como ele chamava o poeta.

Foi com essas coisas na cabeça, que assisti mais uma vez o documentário de Vladimir Carvalho, intitulado O engenho de Zé Lins. Com depoimentos de Ariano Suassuna, Carlos Heitor Cony e Thiago de Mello, além de inúmeras pessoas relacionadas à vida do escritor, o documento traça um retrado dessa alma genial e eu recomendo muitíssimo o filme. O final mostra um Thiago de Mello emocionado, chorando copiosamente, cantando uma música que fez para o amigo. É impossível não se emocionar também.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Notas tristes


Barril na rua e Juca, no centro, cercado de amigos, como Mila Chaseliov e Zé Octávio (à esquerda), o sócio Edgar e um amigo

Amigos, como a nota é triste, vou direto ao ponto. O querido Juca Ribeiro, dono do Bar do Serafim e de outras boas casas do ramo na Zona Sul e na Lapa carioca, está internado novamente. O fígado parece contrariar a enorme vontade de viver desse português de Trás Os Montes, famoso pelos bigodes à la século XIX, que conheci nos idos dos anos 80, quando ele tinha um pequeno pé-sujo perto do Lamas, chamado Adega do Juca, onde uma turma de velhos jornalistas costumava se calibrar com seu famoso coquinho, antes de atacar o filé do bar centenário. Anos mais tarde, quando comecei a fazer as pesquisas do Rio Botequim, nossa amizade se estreitou e hoje tenho orgulho de estar na parede do Bar do Serafim, numa foto ao lado dele.


Juca, à direita, e seus bigodes a la dom Pedro: simpatia transmontana

Dessa vez, a coisa é séria, segundo soube pelo Neto, ex-garçom e hoje braço-direito do Juca em vários empreendimentos (Taberna do Juca, Tasca do Edgar, Adega do Juca II e por aí vai). Nosso intrépido comerciante foi muito amigo do Serafim, também transmontano, que, ao adoecer, passou a casa ao conterrâneo, diante da resistência dos filhos em tocar o negócio. Sempre gostei muito do clima do Bar do Serafim, hoje mais aos cuidados do sócio de Juca, Marcelo, filho de um dos ex-sócios do Belmonte (o original).

Grande Juca, estou torcendo por sua recuperação.

Outra nota triste e atrasada: o seu Antonio da Adega Pérola faleceu. Soube pela turma de lá, que a filha assumiu o negócio e, em princípio, pretende tocar as coisas do jeito que o pai fazia. Vamos torcer. Estive lá outro dia e os petiscos continuavam sensacionais, com destaque para os rollmops. É uma pena que não consegui realizar a idéia de entrevistar seu Antonio, testemunha de acontecimento marcantes nos anos 60 em Copacabana, na época do Teatro Opinião, e mais tarde, na efervescência dos anos 70-80. Tenho certeza que ele teria grandes histórias para contar. Sempre na dele, seu Antonio tocava a Pérola com uma autoridade silenciosa e eficaz.


Seu Antonio, atrás do balcão, de onde comandava silenciosamente a Adega

Bem, ficam aqui os registros.

sábado, 14 de março de 2009

Glauber 70


Glauber em foto reproduzida da internet (não sei quem é o autor)

Amigos, peço licença para registrar nestas páginas dedicadas à boemia uma breve homenagem a Glauber Rocha, que hoje faria 70 anos. Conheci Glauber através de Manduka. Os dois, amigos inseparáveis e ambos artistas de um nível que não se vê mais por aí. Bem, é verdade que os tempos eram outros e, se por um lado, havia repressão e maniqueísmo por todos os lados, por outro, as pessoas, me parece, eram mais ousadas e criativas. A arte não havia se submetido às amarras do marketing, assessorias de imprensa, cadernos culturais e outros esquemas que condicionam o fazer artístico.


Capa do disco de Gato Barbieri: uma viagem sideral pela música

Mas, divago. Voltando a Glauber, para lembrar dele, colocquei hoje o disco Third World, de Gato Barbieri, que não saía da vitrole do cineasta brasileiro. É uma viagem alucinante e selvagem pela música do Brasil, passando por Villa-Lobos e Sergio Ricardo, além dos tangos de Piazolla, executado pelo quinteto do saxofonista porteño. É um disco totalmente acústico, ou seja, antes da fase elétrica de Gato e recomendo muitíssimo.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Moa surfando na grande rede

Queridos amigos, recebi ontem a boa notícia de que acaba de estrear na rede o Blog do Moa (clique aqui), onde se pode passaer pela prosa saborosa deste artista genial. Os puristas que me perdoem, mas não classifico Moacyr Luz como sambista (e, por favor, não me interpretem mal; não vai aqui nenhum demérito ao estilo musical que se confunde com nossa identidade nacional). É que, no caso desse artista, rotulá-lo dessa forma é pôr na penumbra outros aspectos de sua música genial e espaçosa. Como diria Manduka, o Moacyr Luz é um neorrenascentista, aquele tipo de artista, que ataca em várias áreas ao mesmo tempo, como o próprio Manduka fazia. Quem duvidar que vá ouvir o excelente CD recentemente lançado Batucando, seu melhor trabalho até agora, segundo ele próprio me confessou outro dia.


Moa e Marluci na festa de aniversário de Janjão, no ano passado

Conheci o Moa através do Baiano, quando trabalhava na primeira edição do Rio Botequim, no fim dos anos 90. Além de músico e compositor, Moa também é escritor de mão cheia e engana-se quem pensa que sua prosa é coisa das horas vagas, quando descança o violão. Dois livros com crônicas de botequins não me deixam mentir. Manual de sobrevivência nos botequins mais vagabundos, sobre o qual tive a honra de escrever uma resenha para o Prosa & Verso, e Botequim de bêbado não tem dono.

Arguto observador do cotidiano, Moa tem o dom do cronista da cidade, tirando dos pequenos e repetitivos rituais de convivências nos botecos lições profundas de vida, aulas de etiqueta social e convivência, enfim, um retrato vivo da cidade que se esconde nesse cotidiano. A esquina, o garçom, o balcão, o banheiro, o choro na dose de uísque etc. etc. etc. Nada escapa ao olhar perspicaz do artista.

Também quero indicar aqui o sensacional Correio da Lapa (clique aqui), um jornal eletrônico sobre o bairro boêmio carioca, editado por meu amigo Alfredo Herkenhoff. Só ali você encontra notícias de primeira mão sobre personagens lapianos, seus botecos e gurufins. Alfredo escreve febrilmente e sua coluna social, digamos, não convencional no Jornal do Brasil foi um dos últimos momentos de brilho desse ex-grande jornal. Toda essa verve agora está nas páginas eletrônicas do Correio da Lapa. Também aguardamos ansiosamente o Livro da Lapa, um projeto que Alfredo vem acalentando há alguns anos. Diz a lenda que há mais de mil nomes citados nas páginas desse livro mitológico.