sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Mormaço na floresta remix


Já mandei avisar que não irei. Que, dessa vez, descansarei os pés e pouparei meu espírito de tantas ocorrências. Dessa vez, olharei o horizonte, espreguiçando uma moleza no oscilar da rede, estrategicamente armada na varanda. Observarei pássaros e insetos ainda não catalogados pela ciência ao ritmo do balançar suave do pêndulo de pano. Me entregarei aos poucos e definitivamente à natureza, em torno da casa de madeira e vidro na floresta. Estarei com Manoel de Barros e Thiago de Mello, companhias propícias ao mormaço.

Não, meu amor. Dessa vez não cairei na folia. É minha alma que solicita essa delicadeza. Ter com os bichos do mato, ver os índios mais uma vez, o pôr do sol de aquarela, enquanto o banzeiro chacoalha o barco e me faz sentir no esplendor de minha insignificância. Esperarei o frescor que vem da chuva das 17h e tomarei um sorvete com a cabocla na avenida verde da cidade que não está no mapa. Depois imaginarei você, inteira e nua, no torpor do mormaço, ao meu lado, ali, na rede que range o ritmo do dia. Serei feliz para sempre no instante.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Sonho de uma noite de verão



E chega o sábado em meio ao calor desse verão indeciso. Desperto de sonhos tumultuados. Coração, vísceras e uma imagem difusa dela. Nua. Não consigo fazer um enredo. Uma sucessão de cenas desconexas. Ruídos, intromissões. Isso me lembra a entrevista que li ontem com Joel Birman, em que ele diz que, agora, na contemporaneidade, a função do sonho, tal como Freud descreveu, já não se aplica mais. Pelo menos de forma categórica. Já não se tratam mais de expressões reprimidas do desejo, embaralhado pelo Superego para se tornar suportável à luz da consciência.

Agora, diz o Birman, os sonhos se tornaram meros pesadelos, em que o sujeito desejante sucumbe à fragmentação da atualidade. Uma atualidade em que, em termos freudianos, o “sofrimento” foi substituído pela “dor”, e o “desamparo”, pelo “desalento”. Em que o tempo perdeu o predomínio sobre o espaço. Em que a drogadição, a alimentação e o consumo compulsivos compõem as novas subjetividades do sujeito perante o mundo.  Ou seja, muitas das observações do pai da psicanálise precisam ser atualizadas nesses tempos do triunfo do neoliberalismo, que alguns chamam de pós-modernidade.

Mas não é esse o assunto. Mencionei o Birman porque sonhei. E meus sonhos ainda emergem do inconsciente, muito nitidamente, naquela velha forma onírica, cheia de metáforas e símbolos, desejos e pulsões. Às vezes, nem tão metafórico assim. Ocasionalmente acordo de sonhos tão cristalinos com coisas e seres que desejo que fico aturdido, a ponto de indagar: cadê a poesia do sonho?  Mas, lendo o Birman, agora me pergunto como me adapto a este não tão admirável mundo novo que ele descreve?

Reforço a sensação de que sou (e toda minha geração também) um ser literário, em minha formação cognitiva básica, em oposição ao sujeito multiplataforma atual. Nem mesmo audiovisual eu sou. Minha transa com a imagem ainda é toda literária. Diante dela, construo histórias. Talvez, por isso, seja tão fascinado pelos portraits. Os retratos são portas de entrada para enredos infinitos. Dramas humanos sem fim. Vida.

Essa forma de ser, tal como a percebo narcisicamente, me coloca no mundo com certa estranheza, e é assim que, neste sábado, desperto tentando entender o sonho que me perturbou a noite. Buscando sentidos, em meio ao calor do dia, para a imagem desejosa dela, que, de resto, se constitui de distância e saudade.