quarta-feira, 12 de maio de 2010

Uma ideologia para o país do futebol

(imagem emprestada da internet — sem crédito)

Tinha 10 anos quando o Brasil foi tricampeão em 1970. Vi e torci, como um moleque de 10 anos, cada jogo daquela Copa, vibrando com as jogadas geniais daquele time de sonho, com o futebol arte brasileiro no seu esplendor; e temendo os adversários que tínhamos pela frente (a retranca da Inglaterra, por exemplo, no jogo duríssimo, com o goleiro Banks agarrando tudo, exceto o chute de Jairzinho, no segundo tempo, após uma trama do ataque brasileiro). Pois bem, tendo sido marcado por esse futebol, de passes precisos, dribles genais e gols de placa, cresci mal acostumado no que se refere ao futebol... e à vida.

Me lembro do período em que morei em Nova York. Naquele século XII, batia uma pelada num jardim da Universidade de Columbia. Éramos todos estrangeiros: latino-americanos de todas as partes, italianos, africanos e um ou outro americano de origem latina. Entre as partidas, batíamos boca apaixonadamente sobre futebol, cada qual puxando a brasa para sua sardinha. E me lembro que, mesmo com a Seleção vindo do desastre de 1974 (estávamos às vésperas da Copa de 1978), defendia o futebol brasileiro com um ar aristocrático que deixava meus interlocutores indignados.

Por isso, para mim — e sei que muitos discordarão —, uma Seleção como a de 1982 é capaz de me encantar mais, apesar da derrota para a Itáilia e a eliminação de uma Copa até então garantida, do que o time tetracampeão em 1994. Naquela Copa, cada jogo foi um sonho (daí a decepção com a derrota ter sido tão grande: acordamos, de repente, sem nada). Na de 1994, vencemos com partidas apertadas, burocráticas, mal jogadas, uma retranca sem fim, que dependia do talento e da malandragem de Romário e Bebeto para sair do zero a zero. Ganhamos sem sonhos, suspiros e explosões de felicidade. E inoculamos em nossas almas a lógica americana da vitória, a qualquer preço. Ser o número 1, sempre. Me lembrei das discussões que tinha em Nova York com meus colegas de pelada e senti uma ponta de vergonha ao ver a Seleção brasileira vencer uma Copa do Mundo na disputa por pênaltis. No erro do craque adversário. Ou seja, a Seleção de 1994 calou meu discurso aristrocático.

As opções entre futebol arte e a lógica Dunga são mais do que meras tácticas de jogo. Elas representam uma visão de mundo e são, portanto, opções ideológicas. E me dou conta de que, no plano pessoal, sou sonhador e busco, no futebol e na vida, o sortilégio das jogadas geniais, da arte descompromissada com qualquer coisa que não seja o encantamento. O preço é alto, como bem sei, ao chorar a derrota de 1982, ao me iludir nas desilusões amorosas com aquela musa sonhada, ao ver o bolso vazio, apesar do trabalho árduo e talentoso etc. Mas cada momento é vivido como um sonho, intensamente e sem limites.

Hoje, me esforço para pôr os pés no chão, mas é difícil mudar depois de uma vida inteira mergulhado nessa busca pelo encantamento. Por isso, não gostei da Seleção do Dunga anunciada ontem. E vejam que acho que ela tem chances de erguer a taça. Toda a imprensa especializada foi unânime em afirmar que Dunga foi, pelo menos, coerente com sua lóigica. Bem, não poderíamos esperar nada distinto disso, não é mesmo? Como esperar que ele convocasse dois moleques do Santos, brincalhões e geniais em suas jogadas desconcertantes, assim de sopetão? Como apostar, tendo Dunga à frente da Seleção, na arte, na folie en tête? E, sendo indulgente com ele, acho até que buscou um meio-termo em relação ao esquema de 1994: uma defesa burocrática e um ataque mais criativo.

Mas o que está em jogo é a própria representação do Brasil como nação. Pois certamente um dos momentos genuinamente cívicos que temos é o da convocação da Selação. É sempre uma ocasião em que nos assumimos como nação, mesmo que inconscientemente. E a escolha que Dunga faz se reflete no que somos no mundo, no que nos distingue de outros povos. Nossa singularidade, qual é? Será o esquema burocrático com seu potencial de vitória ou o encantamento capaz de inventar algo novo e deslumbrante?

2 comentários:

Marcelo Amorim disse...

Paulo, você raciocinou perfeito aqui nessa análise. Eu prefiro me manter no raso da emoção, sem medo de ser infeliz, e não espero nada melhor que a pasmaceira de 94 pra essa seleçãozinha dunguiana. Aliás, em 94 teve final? Não lembro...

ipaco disse...

Pois é, ele armou uma retrancona cheia de cabeça de área e dois atacantes...