sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Desenhos verbais de Manoel de Barros


O grande artista Manduka me contou uma históra sobre o mágico encontro entre o poeta Manoel de Barros e o escritor João Guimarães Rosa, nos anos 50, se não me falha a memória. O autor de Sagarana, pouco depois de suas peregrinações pelas Gerais, o cerrado e o sertão nordestino, resolveu visitar o pantanal e conhecer pessoalmente o poeta que tanto o encantava por sua linguagem própria e inusitada, embolada com as coisas da terra, os musgos, muros de pedra, passarinhos e sapos, que são "um pedaço do chão que pula".

E sucede que o método de trabalho de Guimarães Rosa é o do etnógrafo, com sua caderneta de campo, anotando tudo: conversas, expressões, sonhos, visões... suas e das pessoas com quem esbarra. Vem daí o manancial de palavras que avolumam seu vocabulário singular. Além disso, Rosa era mineiro, o que diz muito de uma personalidade introspectiva, arguta na observação, mística e um tanto paranóica, vendo sempre conjurações escondidas nas mais límpidas intenções. De modo que a maneira de perquirir de Rosa era um tanto silenciosa: "O sinhô anota tudo!", disse um de seus interlocutores, certa feita.

Foi com esse jeito, tímido e introspectivo, que Rosa foi apresentado ao poeta do pantanal. E mal ele começou a falar sobre o pantanal e outras profundidades que emergem de conversas banais entre dois grandes, Rosa sacou sua caderneta e fez as primeiras anotações. A partir desse momento, Manoel de Barros ficou monossilábico, respondendo sim ou não às perguntas jeitosas de Rosa. Isso prosseguiu por um tempo, até que o escritor mineiro se foi. Barros então virou-se para um outro interlocutor, que testemunhara o encontro histórico, e disse:

— Quando senti que ele me especulava, me empedrei!

Adoro essa história que, sendo verdade ou não, é verossímil o suficiente para se espalhar como uma anedota que realça ambas personalidades e manias. E a razão dessa prosa é que acabo de comprar a antologia poética de Manoel de Barros (Poesia Completa, editora Leya, foto da capa acima), numa edição bem cuidada e com um lindo prefácio do próprio poeta. Estou desfrutando dessas páginas que, na minha estante, ficarão lado a lado aos livros de João.

Manoel de Barros diz que seus poemas são desenhos verbais de imagens e é assim que ele termina a brevíssima "entrada" de seu livro:

"Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer, a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades."

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