sexta-feira, 22 de abril de 2011

Paris black e islâmica

Os fiéis fazendo a oração de sexta-feira, em frente à Mesquita Al Fateh: tapetes cobrem as ruas da região de Barbès e o pessoal tira os sapatos e se ajoelha para orar

Meu amigo Idriss Diabaté me levou hoje para um parcours commenté pela Paris black, como o pessoal daqui se refere ao bairro em torno das estações de metrô de Barbès e Chateau Rouge, próximo à Montmartre. Por sincronicidade, hoje fez um sol daqueles e a temperatura oscilou acima dos 25 graus. Me lembrei do camelódromo atrás da Central do Brasil, antes do incêndio, só que a presença africana e muçulmana é quase total. Rodamos pelas ruas do bairro, tomamos café num boteco de esquina, de onde observamos o movimento. Idriss estava retribuindo o passeio que fiz com ele no Rio de Janeiro, no ano passado, quando participou do festival de cinema negro, promovido por Zózimo Bubul.

No pequeno bar, enquanto falávamos sobre cinema, antropologia e jornalismo, um sujeito (acho que estava meio bêbado), começou a fazer um discurso sobre os colonizadores que pilharam a África e que, agora, querem se mostrar amigos dos negros. Era obviamente dirigido a mim e ao Idriss, mas continuamos nossa conversa à la egyptienne. Num jantar, outro dia, Idriss contou que, ao ligar para uma irmã para ter notícias, após a confusão toda em Costa do Marfim, ouviu a pessoa que passava o telefone identificá-lo como Idriss, le blanc. Apesar de ser preto retinto, o fato de morar na França e ter hábitos europeus, levou a seus parentes mais próximos a identificá-lo como branco.

Idriss (de chapeu) e Brice, que é do Benin, mas vive há muitos anos na região de Barbès, e foi assistente de Jean Rouch

Depois, retomamos nossa caminhada e acabamos almoçando em um pequeno restaurante senegalês, o Le Nioumre, situado em frente à Mesquita Al Fateh. Foi emocionante. Ao entrar um sujeito tocava a kora, uma linda harpa africana de poderosa sonoridade e 27 cordas (Idriss me disse que há uma lenda que determina que não se pode tocar a vigésima sétima corda, do contrário a pessoa morre). O músico também inventava a letra saudando as pessoas que entravam no restaurante e, ao ser informado que eu era brasileiro, fez toda uma prosa me dando as boas-vindas.

Em seguida, saudou Idriss, por seu sobrenome, Diabaté, que especifica uma linhagem de porta-vozes do povo griot. Aprendi ainda que Keita foi o rei e fundador da etnia, que está presente em Senegal, Mali, Costa do Marfim, Guiné, entre outros países. E, como sua função é narrar histórias, muitos griots são músicos, escritores, cineastas e tal. Idriss pediu um Yassa (frango com arroz branco num molho amarronzado, bastante picante). Eu fui de Maffé (peixe com umas sementes no lugar do arroz, e um molho picante de fazer baiano suar). Bebi uma espécie de suco de gengibre, igualmente picante, e litros e litros de água. Mas a comida é simplesmente maravilhosa e suculenta, além de generosamente servida.

Detalhe dos sapatos e tênis largados à beira da calçada, enquanto o pessoal se prepara para orar

Saímos do bar com a barriga cheia e bem na hora que começavam as orações da sexta-feira, em frente à mesquita. Os fiéis levam tapetes para a rua, que é fechada ao tráfego de carros e bicicletas, e fazem suas orações ao ritmo de um mantra cantado dentro da mesquita lotada e transmitido por alto-falantes ao lado de fora. Fiz algumas fotos, e um sujeito reclamou, afirmando que não era permitido fotografar, mas haviam dois sujeitos filmando, num esquema profissional. De modo que ignorei o sujeito e fiz mais algumas fotos, incentivado ainda pelo Idriss.

Depois fomos encontrar um antropólogo, amigo de Idriss, que trabalha com cinema etnográfico, tendo sido um dos principais assistentes de Jean Rouch. Trata-se de Brice, um sujeito bem simpático e morador do bairro. Fizemos com ele um novo parcours commenté. Ele nos levou numa loja de alta costura, que pertence ao movimento SAPE (sigla de societé des ambienceurs et des personnes elegantes), iniciado no antigo Zaire e que é se espalhou pela África. Os membros dessa sociedade são uma espécie de dandys e têm que se vestir muito bem, com roupas dos grandes costureiros, e dançar e cantar em festas e boates. O Papa Wemba é um sapeur.

Uma das instalações do Institu des Cultures d'Islam

Fomos ainda a um centro cultural chamado Institut des Cultures d’Islam, onde vimos uma exposição de um fotógrafo britânico, que fez várias imagens da mesquita que acabáramos de ver. Havia ainda umas instalações e outras obras dentro do título geral Tous Islamaniaques!, um trocadilho para lá de espirituoso. E foi isso. A bientôt!

6 comentários:

Anônimo disse...

narrativa espetacular, paulinho, to adorando isso tudo! viajando com vc!

ipaco disse...

Oi, amore! Saudade! Obrigado pela presença. Tem mais no França Fantasma (veja o link). Beijo.

André Fialho disse...

Paulo Thiago, me desculpe a possível inconveniência, mas, por não ter outra forma de contato, não pude evitar.

É sobre o "La Pequeníssima Historia de La Musiquíssima Brasileña", do seu ilustríssimo primo Manduka, cujo trabalho musical pude descobrir graças às maravilhas da internet, louvada seja (apesar de tudo).

Enfim, cada vez que lembro do extenso nome desta obra, me bate mais curiosidade, mas nada acho pela internet - tamanha é a dificuldade e maior ainda a vontade de sacá-la na íntegra que fiz questão de salvar um trechinho por ti divulgado há uns tempos em alguns dos teus vários blogs, trechinho este sobre o silêncio.

A pergunta é: como posso adquirir? Nem que seja uma xerox, uma cópia feita por uma TekPix ou, sonhando demais, um exemplar deste ensaio tão obscuro de 1985?


Agradeço a paciência, caso tenha lido tudo. Corri o risco e, de fato, fui um chato, mas é por algo que vale a pena. Abraço.

André Fialho disse...

aliás, meu e-mail, caso queira estender isto além da página de comentários deste post.

andrefialhoce@hotmail.com

ipaco disse...

André, salve, salve. Escute, estou em Paris até junho. Esse trabalho do Manduka só existe em xerox. Não foi publicado. Posse te arranjar uma cópis, mas só quando voltar. Um abraço. PT

Leandro Durazzo disse...

Fazendo minhas as palavras de André, gostaria também de pedir uma cópia desse trabalho. Sendo de Manduka, só pode ser uma obra no mínimo curiosa, quase certamente genial.

Seria demais abuso pedir que me envie, também? E, ainda mais (ou talvez), que possamos digitalizá-la e colocar pra rodar pela internet?

um abraço