Querida amiga, outro dia pensava sobre nossas predileções literárias e
me dei conta do peso que esse gosto, tão pessoal, tem como parâmetro
amoroso entre as pessoas. Você, por exemplo, gosta do poeta V. e eu
sempre tive uma certa preguiça em relação à produção metafísica dele,
preferindo seu lado mundano e mulherengo. Portanto, V., para mim, é um
poeta parcial, pois não enveredei por suas inquietações sobre Deus e o
Cosmos. E, veja, não é que não goste de V.. Apenas não senti o impulso
de lê-lo nessa vibração espiritual, preferindo seu lado secular, sua
bossa nova, seus amores carnais. Nessa onda ele é genial. Mas é essa
divisão que me impede de elegê-lo como predileto. E me pergunto se não é
essa a verdadeira razão do nosso desencontro. Como um planeta
interceptado na quadratura de um signo incompatível ou coisa que o
valha. Por amor a você, até atravessaria as veredas de reflexões
patafísicas de V. na esperança de ver abrir em mim uma iluminação
reveladora do lirismo que antes não percebia, e, por meio de V, exibisse
orgulhoso todo o meu amor por você. Mas você mesma sentenciou: "Você
não gosta de V.", me disse outro dia, tão casualmente quanto alguém que
se resigna a uma diferença abissal e incompatível. Tremi de medo de que
não fôssemos mais o que quer que somos no campo do afeto, esse gostar
que fica aquém do que quero e além do que você suporta. Um limbo cheio
de aventuras perigosas. O seu poeta V. acabou ficando entre nós, veja
você, como um empata-foda, o que me fez escrever esse poema pra você,
querida amiga:
Queria ser um poeta
Como aquele que vive em teu peito
E repetes os versos d'alma
Queria poder estar tão dentro de ti
Habitado de teus sonhos
Como, sem saber, está o poeta
Aquele que vive em teu peito
Sem perceber-te entregue
Como entregue me ponto a ti
Queria ler teu corpo
Como teu poeta recita versos d'alma
Conjugaria teus músculos
E aprenderia teu beijo
Como quem decora poesia
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