Charlotte Gainsbourg em cena do Anticristo (foto de divulgação)Todo mundo que gosta de cinema já deve estar meio cansado da controvérsia em torno do filme do cinesta dinamarquês
Lars Von Trier, o
Anticristo. É um filme que não recomendo a ninguém, mas que considero uma obra de arte. Daquelas que você sai um pouco diferente depois de passar pela experiência de ter entrado em contato com ela. Muito distinto dos filmes de entretenimento que abundam as salas de cinema. Mas é, por isso mesmo, um filme duro. Com cenas explícitas de sexo e violência, o terror fica na borda do sobrenatural e da loucura humana. O prólogo é uma aula de cinema.
Portrait de Charlotte (foto tirada da internet): parece com a mãe e o paiMas não é sobre o filme que quero falar aqui e sim sobre a atriz principal.
Charlotte Gainsbourg é uma excelente atriz e nesse filme mostra uma entrega total ao papel. Me lembrou a reclamação do
Glauber Rocha acerca dos limites morais dos atores, que ele sempre procurava ultrapassar. Ele certamente ficaria feliz em poder trabalhar com ela. A entrega total é um dos preços que uma obra de arte cobra do artista. No caso do cinema, de toda a equipe.
Jane Birkin em 1968, à época do je t'aime moi non plusVendo-a no filme de
Von Trier me lembrei de sua mãe, a atriz
Jane Birkin, que também fez um filme ousado:
Je t'aime moi non plus, de
Serge Gainsbourg, seu marido e pai de
Charlotte. O filme é de 1976, além de
Jane, o então jovem
Gerard Depardieu também está no elenco. A canção-tema e homônima, no entanto, é de 1968 e foi gravada pela então namorada de
Serge,
Brigitte Bardot. Logo depois da gravação, o casal se separou e
Brigitte suplicou a
Serge que não a lançasse, pois trazia o áudio explícito de um casal trepando, e ela havia casado com um empresário alemão.
Serge concordou. Logo depois, ele conheceu
Jane Birkin, uma jovem atriz britânica, que se tornou sua mulher e ele regravou a canção, dessa vez com ela. A música estorou no mundo no início de 1969.
Mais uma foto de Jane Birkin, tirada da internetNaquela época, eu estava na pré-adolescência, e o Brasil vivia sob uma assombrosa ditadura militar, que também tinha seu viés de repressão moral. Quando a canção chegou às rádios, foi um deus-nos-acuda e ela acabou censurada. Mas eu consegui comprar um compacto, antes que fossem recolhidos. Aquela sonoridade erótica ficou em minha mente. Um casal trepando, os gemidos, com fundo musical, gravados de forma explícita. Desde então, sempre associei a língua francesa a sexo e erotismo. O filme eu só vi muitos anos mais tarde, em outro momento, mas dá para entender o impacto na sociedade burguesa daquela época.
Logo depois, em 1972,
Bertolucci viria com o
Último tango em Paris. Sexo & violência sempre andando juntos nesses filmes, como em
Laranja Mecânica, do
Kubrick, de 1971. Posso estar completamente enganado, mas penso que as coisas foram mudando no rumo de uma dureza (êpa!). Se naquele então, a putaria era o que dava o tom nessas obras, e a violência vinha a reboque, a impressão que tenho é que, hoje, a violência predomina. Penso, por exemplo, no filme de
Gaspar Noé,
Irreversível, de 2002. A cena do estupro desse filme é muito mais barra pesada do que a de
Laranja Mecânica, ou a famosa cena da mantega, no
Último tango, hoje uma sequencia quase lírica.
Não sei se era a repressão da época, que fazia a gente tremer a qualquer insinuação sexual, e portanto uma canção como
Je t'aime moi non plus nos deixava à flor da pele, ou se é, hoje, o niilismo dessa pós-modernidade, que está exigindo uma violência que se dá simultaneamente na força física e emocional.