sábado, 12 de fevereiro de 2011

De malas prontas

Festa na rua: os tambores uruguaios do Candombe na rua Fernandes Guimarães, em Botafogo

A partir da semana que vem, salvo algum imprevisto burocrático, este escriba colocará a mochila nas costas, uma rede de mosquitos, e irá se aventurar pelo mar bravio, na tarefa antropológica de estudar os nativos gauleses d’além mar. Eles que, como qualquer cultura humana, se julgam o centro do universo e o modelo de civilização, a ponto de duvidar se o resto do mundo é mesmo humano, sobretudo quando pensam em nós, da banlieue do Ocidente, certamente terão um choque ao ver este ser que vos escreve, oriundo dos trópicos, ainda esbaforido do calor de 40 graus, perambulando de bermuda alegremente pelas ruas de Paris, durante os próximos meses.

O que me leva a essa viagem é uma bolsa de pós-doutorado, obtida graças ao apoio do convênio entre a Capes e o Cofecub, do qual o (Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro/IFCS/UFRJ), ao qual pertenço, é um dos participantes. Como bolsista da Capes, preparei um plano de estudo que tem a ver com a etnografia que venho fazendo deste pequeno enclave de Botafogo, conformado pelas ruas da Passagem, General Polidoro e Álvaro Ramos e cujas reflexões, venho narrando aqui neste Pendura. Minha idéia é comparar dois bairros de Paris — Belleville e Marché D’Aligre —, que estão vivendo um processo de aburguesamento, com as transformações que estão ocorrendo na morfologia social de Botafogo, pelas razões explicitadas nos posts abaixo. Em Paris, como não poderia deixar de ser, os motivos são distintos, tendo outros fenômenos, como a imigração, por exemplo, como fatores das transformações dos bairros.

Lá, minha pesquisa estará sendo coordenada pelo professor Laurent Thévenot, na École des Hautes Études em Science Sociales (EHESS), ao passo que, no Rio, continuarei com a orientação e o apoio do meu querido prof. Marco Antonio da Silva Mello (coordenador do LeMetro), que me aturou no mestrado e no doutorado. São dois feras das ciências sociais, o que coloca um grande desafio sobre meus ombros. Será um séjour curto, de uns quatro a cinco meses, mas tempo o suficiente para levantar um bom material bibliográfico, participar dos seminários da EHESS e outras instituições acadêmicas e fazer um mapeamento inicial de um trabalho de campo nos dois bairros.

A pracinha Mauro Duarte: de dia balanço, à tarde, festa na rua

Se Botafogo (e o Rio de Janeiro como um todo) tem peculiaridades, como o boom econômico, a realização das Olimpíadas em 2012 e a Copa em 2014, entre outros, como fatores de estímulo a uma bolha imobiliária com impacto na morfologia social do bairro, em Paris, esses dois bairros enfrentam a chegada de forte leva de imigrantes asiáticos e uma classe média, em busca de uma noção de vizinhança “autêntica”. São jovens profissionais liberais, executivos e empreendedores que se mudam para Belleville e Marché D’Aligre em busca de um status distinto daqueles dos chamados beaux cartiers (bairros burgueses), de onde vêm. Um pouco como a onda de morar em Santa Teresa, que atraiu um tipo de classe média carioca. Mas os novos moradores, com hábitos e poder aquisitivo distintos, acabam mudando o perfil do bairro e a noção de autenticidade que os atraíra em primeiro lugar, é a primeira a se transformar em outra coisa.

Também pretendo buscar um contato com as organizações civis que defendem os interesses dos moradores dos bairros, como associações de moradores, centro culturais, órgãos públicos municipais etc. A impressão que tenho, por histórias que ouvi e vendo daqui de longe, pelos sites, é que os parisienses são bastante mobilizados nas questões de bairro e as mudanças lá enfrentam ferrenha resistência. Dificilmente aconteceria lá o boom imobiliário que vem deformando Botafogo, sem uma resistência mais forte. Mas a mudança da identidade de um bairro não se dá apenas pelas transfigurações imobiliárias. As substituições de população, os grupos sociais que vão invadindo e fagocitando trechos, são suficientes para mudar a morfologia da rua, sem que se tenha derrubado um sobrado.

No caso de Botafogo, acho que é importante fortalecer as entidades civis e as iniciativas culturais que reforçam a noção de bairro, de proximidade das pessoas. Hoje, por exemplo, haverá mais um evento na pracinha Mauro Duarte: o bloco do Barbas fará uma espécie de esquenta carnaval. Na semana passada foi o Bola Preta, que transformou a praça num festival de marchinhas. Outro dia, teve uma procissão religiosa pela padroeira do bairro. Também acho que temos que valorizar o comércio de rua, sobretudo os botequins e casas de pasto, mas também, os barbeiros, manicures, sapatarias, padarias, farmácias etc. Locais semipúblicos, onde se troca informações sobre o bairro, áreas de sociabilidade comum. São essas pequenas instituições que fortalecem a noção de bairro a ponto de mobilizar as pessoas contra as mudanças desordenadas, sem critérios comuns, exceto o lucro dos empreendedores.

10 comentários:

Anônimo disse...

ai, que orguuuuuulho!!! mil beijos, bonne chance, vai arrasar!!!

ipaco disse...

Valeu, Andrea! Aparece por lá! Vamos tomar um vinho nacional...

michele markowitz disse...

Amigo, boa viagem, quem sabe n apareço por lá para conhecer teu campo e da Laura.

Unknown disse...

Boa viagem. Pena que você está indo no carnaval.

Abraços.

ipaco disse...

MIchele, aparece sim. Seria muito legal. E não esqueça de mandar sua tese!

ipaco disse...

Pois é, Norton. Realmente vou sentir falta do carnaval, eu que sou folião de rua. Mas é por uma boa causa... Abs.

Giovanna e Beto disse...

Parabéns, Paulinho!! Vc merece!

ipaco disse...

Valeu, Gio e Beto! Beijo em vocês!

A VIDA NUMA GOA disse...

Gostei imenso do seu blog, a que pretendo voltar com mais vagar.
Temos, de pronto, dois interesses em comum: botecos e preservação.
Boa viagem, trois foi mèrde!

ipaco disse...

Seja bem-vindo, Goa!