terça-feira, 15 de março de 2011

Mobilização pela moradia


O problema da gentrification dos bairros tem, obviamente, uma estreita ligação com a questão da moradia. Na França, com a crise financeira, o governo está cortando uma série de benefícios sociais concernentes o apoio à habitação popular e proteção dos inquilinos de baixa renda. Uma lei aqui, por exemplo, proíbe que as pessoas sejam despejadas no inverno. Mas tudo isso começa a mudar, ao mesmo tempo, em que o mercado imobiliário, mediante um processo agudo de especulação, está com os preços, tanto para aluguel como compra e venda, na estrastosfera. Um estúdio micro, de dez metros quadrados (menor que um quitinete) pode custat até mil euro por mês em Paris.

Essa situação disparatada está gerando uma série de protestos e mobilizações por parte dos movimentos sociais. Alguns grupos, como o Jeudi Noir, por exemplo, estão inovando nos protestos, atuando com ações espetaculares, como o Greenpeace, que chamam a atenção da mídia. Mas, ao mesmo tempo, seus militantes estudam profundamente a situação, sob vários pontos de vista, para argumentar com base nos debates publicos, que as ações geram. No sábado passado acompanhei um desses protestos e escrevi uma matéria para o Globo, que entrou editada para englobar um contexto mais amplo de protestos sociais na Europa por causa da crise. Aba



Não toque no meu vizinho
Paulo Thiago de Mello

Centenas de manifestantes ocuparam ontem a praça da République, em Paris, para protestar contra o fim do período de proteção ao inquilino inadimplente. Uma lei impede qualquer despejo, inclusive de áreas invadidas — os chamados squatts —, durante o inverno. Essa proteção acaba na próxima terça-feira, quando oficialmente começa a primavera na França. Os manifestantes, que saíram em marcha com bandeiras, banda, batuques e palavras de ordem, também celebraram a decisão da Justiça de retirar de uma lei proposta pelo deputado de Rhône Dominique Perben o artigo que permitia o despejo em 24 horas de inquilinos inadimplentes.

Perben defende seu projeto, argumentando que a lei moderniza o setor e representa um estímulo à negociação entre locatários e proprietários, na sua visão, a melhor solução para o problema da moradia. A instância mais alta da Justiça francesa, no entanto, considerou que o despejo sumário de inquilinos viola os direitos civis dos locatários, que têm direito a um processo legal, antes de serem sumariamente despejado por inadimplência.



Os manifestantes protestavam ainda contra o aumento dos preços da moradia na França e o fim de vários benefícios que foram eliminados na esteira da crise financeira e diante da necessidade de o governo reduzir o déficit fiscal. Em palavras de ordem e panfletos, os manifestantes acusavam o governo de privilegiar a especulação imobiliária, em vez de garantir habitação barata para todos. Eles também pediam o fim dos despejos — Touche pas à mon voisin! (Não toque no meu vizinho!) — e a regulação dos preços dos alugueis, que sobem vertiginosamente, especialmente em Paris. A ideia defendida pelos grupos, que abarcam várias linhas políticas de esquerda, é que a habitação é um direito a ser garantido pelo Estado.

Segundo a Federação do Direito à Moradia, entre 2000 e 2010, os preços dos aluguéis na França aumentaram em média 90% e o dos imóveis, para compra e venda, 107%. O Instituto Nacional de Estatísticas e de Estudos Econômicos (Insee) confirma que os preços da habitação no país subiram vertiginosamente nos últimos dez anos. O secretário de Habitação do governo Sarkozy, Benoist Apparou, que havia dado um prazo de seis meses para que os locadores apresentassem uma proposta de teto de alugueis por área de Paris, anunciou que apresentará uma lei que cria uma taxação sobre alugueis de mais de 40 euros por metro quadrado em apartamentos com até 13 metros quadrados.

A medida foi rechaçada pelas organizações de locatários e movimentos sociais. Segundo o site do grupo Jeudi Noir, uma espécie de Greenpeace da habitação, que ocupa agências imobiliárias em atos espetaculares de protesto, a medida atinge apenas um porção ínfima de apartamentos e libera os alugueis para os imóveis com mais de 13 metros quadrados. O grupo defende a regulamentação do mercado, com o Estado estabelecendo tetos para alugueis, segundo região. Proposta que tem a oposição da União Nacional de Proprietários de Imóveis, que pressiona pela total desregulamentação do mercado. Enquanto isso, um minúsculo studio de dez metros quadrados, dependendo da região de Paris, pode ter um aluguel de mil euros por mês.

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