terça-feira, 21 de agosto de 2012

Amor e saudade numa narrativa beat


Tenho uma amiga que se diz Camaleoa, mas eu a vejo uma mariposa, volateando pelo mundo, perturbando meu sono com seus contos e poemas. Autorretratos de deusa que me seduzem, sobretudo à noite. Vejo seu sexo carnudo, ela dando de bruços. Morena de curvas e segredos. Minha Camaleoa é andarilha, segue pelo mundo, solta, e eu a sigo pelos mapas, no conforto da poltrona. Mato Grosso, São Paulo, Porto Alegre, Paris... e todos lugares improváveis à beira da estrada. Minha beatnik tem o olhar gonzo. Seu texto se abre ao horizonte e ela nomeia as coisas com seus nomes próprios. Evita os apelidos, os eufemismos burgueses e respeitosos. Ela, por exemplo, não escreveria “seu sexo carnudo”, como fiz acima, puritano e envergonhado. Ela diria apenas “boceta”, que por si só já contém na densidade certa a imagem dos lábios carnudos. Mas sua prosa é coisa fina e lírica na aspereza. Na sua poesia, lemos “bo-ce-ta”, com as sílabas bem faladas, quase babadas, intumescidas, úmidas. Dá para sentir o gozo em sua narrativa. Eu a amo profundamente, e nem nos conhecemos, olhos nos olhos, abraço apertado. Um cheiro no cangote. Camaleoa é um ser literário de carne e osso ou talvez uma entidade patafísica que às vezes se incorpora numa tal Cristina Livramento, quando se predispõe a coisas mundanas, como escrever ou trepar. Um dia quase nos conhecemos. Uma de suas estradas passou pela Zona Sul do Rio, mas eu não estava. Desincronizamos. Que pena. Mas tudo bem. Acompanho sua trajetória e ela me inunda de alegria, quando me escreve cartas, como antigamente se fazia, e as manda pelo correio, com seus minilivros, jornais de prosa & poesia. Me apresenta poetas e escritores dos cantos onde pousa. E agora acaba de me enviar seu livro São Paulo & Notas cinzentas de amor e saudade. Uma narrativa densa, uma prosa poética, um texto raro num momento em que muitos "jovens escritores" parecem presos ao sortilégio do enredo, incapazes de inventar linguagens. Li seu livro no mesmo dia, de um gole só. Mas hoje, acordei sereno, fiz um café forte, como ela gosta, deixei o aroma impregnar a casa vazia, e estou relendo, na calma, na luz da manhã, degustando meu café e poesia. Os textos que falam de saudade só podem ser escritos num idioma íntimo, que se abre ao leitor na mesma intensidade com que ele é capaz de sentir a falta, a ausência, o oco, aquilo tudo que, não existindo, nos constitui. Um beijo, Camaleoa. E obrigado pela saudade do nosso encontro que não ocorreu..

4 comentários:

Camaleoa disse...

Paulinho, muito obrigada pelas palavras. É muito importante, pra mim, que você - mesmo de longe -, acompanhe a minha produção. Tem sido uma luta tão grande, tempos tão difíceis e faço questão que você tenha acesso a essa trajetória.
Obrigada pelo carinho.
Aquele abraço!

ipaco disse...

Pra mim é um deleite e uma honra receber seu trabalho, que conheço há anos. E quero dizer que esse livro é coisa séria, Cris. Li na hora e agora estou degustando, avançando com você pela estrada dele. É um livro com texto maduro.

Bjs.

Juliana disse...

pra variar, íntimo. lindo.

ipaco disse...

Obrigado, Ju. Mas lindo mesmo são seus versos. Beijo!