segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

No quarto das meninas

Jovem Karajá que passou pelo ritual que a torna uma adulta na aldeia e lhe confere as marcas dos Karajá, o círculo tatuado nas bochechas (fiz essa foto na aldeia Karajá da Ilha do Bananal, em 1987).

A fotógrafaa libanesa Rania Matar migrou para os Estados Unidos nos anos 1990, onde, depois de ter se formado em arquitetura, se dedicou à fotografia. Em seu site oficial, que pode ser acessado aqui, ela apresenta uma série de retratos de adolescentes na intimidade de seus quartos. São adolescentes americanas, libanesas, refugiadas palestinas entre outras. Suas fotos mostram o que há de comum e de distinto entre essas meninas-a-se-tornarem-mulheres com uma riqueza de detalhes que só uma imagem pode mostrar. Algo bem além das palavras para os corações sensíveis. Estão ali o que aproxima essas meninas e o que as separa, como, por exemplo, o lenço muçulmano. Suas imagens insinuam sonhos que se tocam, no devir feminino que vai se constituindo, mas que são culturalmente distantes ao mesmo tempo.

A adolescência não é um fenômeno da natureza. Está na ordem da cultura. Da nossa cultura, genericamente chamada de ocidental. É, portanto, uma invenção nossa. Em algumas outras culturas esse longo período de transformação da criança em adulto se dá por meio de ritos de passagem, em que a criança se torna adulta para a sociedade onde está inserida, e para si própria, em sua subjetividade. Quando estive com os índios Karajá, na Ilha do Bananal, entre Tocantins e Mato Grosso, nos idos de 1980, percebi bem esse processo. Havia adultos e crianças. Nenhum adolescente. Apenas jovens adultos, empenhados na divisão do trabalho da aldeia. O tuxaua Maurê me contou que as meninas quando menstruam pela primeia vez são isoladas, na casa das mulheres, onde são socializadas nas coisas do mundo feminino. Quando saem, após um período relativamente longo, já são consideradas adultas, independentemente da idade, aptas a casar e assumir as tarefas das mulheres na aldeia. Elas então ganham a marca dos Karajá, um círculo tatuado com espinha de peixe em cada bochecha.

Andrea, libanesa de Beirute, em seu quarto. Reparem nas medalhas. Foto de Rania Matar

Por sua vez, entre os índios Maué, no médio rio Amazonas, os meninos passam pelo ritual do Tocandira ao se tornarem homens. Tocandira é uma formiga-de-fogo, preta e minúscula, cuja picada provoca dores lacinantes, similares à picada de vespa. O ritual consiste em danças e cantos, em que os meninos vestem uma série sucessiva de sete luvas repletas das tais formigas. O pajé dá umas baforadas de fumo mágico nas luvas, e os garotos dançam e cantam em um círculo formado por mulheres no primeiro anel e homens no segundo. Luva após luva, cada um deles dança na sua vez até que uma das mulheres, compadecida ou interessada, tira o menino do círculo e o leva para sua rede, onde começa uma espécie de casamento. Se, por acaso, o jovem não for escolhido por uma das mulheres, o xamã, então determina o momento em que ele conclui o ritual.

Brianna, adolescente americana, também fotografada por Rania Matar

Em todas as culturas humans, a passagem entre isso que chamamos infância e aquilo que chamamos vida adultua é sempre marcada ritualisticamente. Afinal, a adolescência não deixa de ser um longo rito de passagem na nossa sociedade. O mesmo, aliás, pode ser dito em relação ao nascimento e à morte. Nenhuma sociedade ou cultura é indiferente a esses fenômenos.

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