quinta-feira, 23 de abril de 2009

Boteco, ruídos e choque de ordem


Bar do Belmiro enfrenta a ira dos moradores de um condomínio em frente

Outro dia me falaram que o condomínio transversal ao Belmiro entrou com uma ação contra o boteco por causa do barulho provocado pelas rodas de samba periódicas da casa. Ontem, eu fui à roda de samba do Sabor da Morena. Muito bom e devo dizer que a casa pegou. Estava lotada com pessoas de todas a idades e aquele clima gostoso de boemia. Aquela esquina entre as ruas Fernando Guimarães e São Manuel, diante da praça Mauro Duarte, é um recanto em Botafogo, com seus sobrados e prédios pequenos. Ar de surbúbio, atmosfera de interior, com a molecada jogando bola, soltando pipa, andando de bicicleta, mães com bebês na pracinha e coisa e tal.


Sabor da Morena foi multado por excesso de mesinhas na calçada

Mas já a especulação imobiliária começa a desfigurar o lugar. E o povo de um novo edifício, erguido em tempo recorde e que derrubou três sobrados centenários, já anda reclamando do barulho. Os novos moradores não freqüentam a rua; têm tudo em seu condomínio. De modo que entram e saem de carro, passando por grades com câmeras e preferem fazer suas compras em shoppings, em vez de prestigiar o comércio de rua do bairro. Enfim, são os novos tempos e logo, logo esse trecho de Botafogo sucumbirá à "civilização" e a rua morrerá.


O Alfredinho, do Bip Bip, proibiu bateção de palmas e controla o ruído

Enquanto isso, o choque entre dois tipos de moradores vai se dando em conflitos dessa natureza, como o uso da calçada e o lazer coletivo. O boteco Salvação chegou a um acordo com a vizinhança. Pára o samba às 21h em ponto. Essa é a melhor saída, na minha opinião. Todo mundo satisfeito, e o casal que reclamou na prefeitura já até freqüenta o samba. O Bip Bip tem uma história longa com a vizinhança. Ações na Justiça e o escambau. E o samba do Alfredinho é silencioso perto das rodas que tenho visto por aí.


O samba do Salvação, aos domingos, acaba às 21h em ponto: acordo com os vizinhos resolveu o impasse

Tudo isso me lembrou a pesquisa de um colega antropólogo sobre o ruído na cidade. Ele fez um levantamento em cima das queixas do disque-barulho e descobriu que 90% das reclamações não se referiam ao nível de ruído em si, mas ao tipo de barulho, que vinha sempre adejtivado: "macumba infernal", "pagode de cachaceiro", "funk de bandido", "culto evangélico de pentecostal" e coisa e tal. Ou seja, não era necessariamente o barulho, em termos de volume de decibéis, mas o evento propriamente dito que despertava a contrariedade e a indignação do reclamante.

São sacações como essa que os fiscais responsáveis pelo choque de ordem do prefeito Paes não levam em conta. Têm um modelo de cidade na cabeça, aquela da classe média da zona Sul, e vão impondo a ferro e fogo, sem ouvir o bairro, os moradores, a vizinhança. Sem entender a importância da convivialidade na rua, na calçada. Sem perceber que alguns bairros formam uma comunidade e outros, são lugares sem vida nas esquinas: prédios e prédios que parecem fortalezas e a calçada vazia. Não entendem que cada bairro tem uma personalidade e um jeito de ser.

É verdade que há exageros. Ontem mesmo, depois que o samba acabou no Sabor da Morena, um grupo de fregueses se sentou à calçada, perto de 1h da manhã, e começou a cantar a plenos pulmões, cada um num tom, cada instrumento de percussão batucado de qualquer jeito. Aí nem mesmo os vizinhos que gostam da roda e defendem o bar vão apoiar. O exagero de um lado e de outro é que não deveria vigorar.

6 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito, Paulo! O preconceito que o samba sofre ainda é pior do que o barulho que ele provoca. Abração!

ipaco disse...

Pois é, Bruno. Achei muito legal a sacação desse amigo antropólogo que resolveu estudar o problema do barulho. Abs. pt

Thiago Panza Guerson disse...

Não conhecia o Sabor da Morena. Passarei por lá e prometo não bater (muita) palma.O samba tem que continuar...
Abração!

ipaco disse...

Fui lá na quarta, o samba tava ótimo. Comemos um filé aperitivo muito macio (acho que ela deixa a carne no abacaxi, tava desmanchando)

Luiz Souza disse...

Gosto de samba, mas gosto também de sossego. Ter de limpar quintal cheio de garrafa quebrada e restos de cerveja alheia não foi experiência das melhores que tive. Passei na frente dum pagode perto de casa e o que chamou minha atenção foi as placas de vende-se nas casas vizinhas.

Sem contar os carros estacionados na frente do portão, papo-furado às 3 da manhã, etc...

Pagode bom é aquele que é longe de casa.

ipaco disse...

Ou então aquele que o dono do boteco controla a bagunça, pondo hora pra acabar... abs.