quarta-feira, 10 de junho de 2009

Toda aberta ao vento



Amigos, como ando enrolado com umas tarefas interessantes, reproduzo, ampliado e com modificações, um post mais antigo, do Pindorama 2, de 23 de maio de 2007. Uma elocubração sobre a mulher, a partir de uma conversa com uma amiga especial num velho botequim de Copacabana num dia de encontro casual. A amiga em questão é essa aí em cima, cuja foto manipulei, pois ela não gosta muito de aparecer assim, digamos, publicada. As fotos de baixo, igualmente manipuladas no Photoshop, são de um francês chamado Pascal Renoux.

Toute ouverte au vent



Toute ouverte au vent. É assim que um mito ancestral define a mulher, me disse uma amiga outro dia, numa mesa de bar. Ela mesma um ser mariposado, toda aberta ao vento, atravessada por sopros e furacões, cuja história de vida é marcada pela tragédia e a morte. Por haver me desencontrado de mim mesmo em seu jardim labiríntico, completamente apaixonado, ouço com atenção tudo o que ela me diz. Procuro memorizar não só as palavras, mas o tom de sua voz, na esperança de tentar desvendar, nas ênfases de seu sotaque afrancesado, o mistério do amor fugidio.

O mito, porque é mito, está sempre certo, seja qual for a alegoria, o delírio, a metáfora. A mulher infla na gravidez, seca na tristeza, reluz na paixão, e é quase sempre aérea, varada por ares os mais distintos, flutuando pela vida, numa intensidade brumosa, leve, por pouco incorpórea, e repleta de aberturas no corpo. Navegar pelos caminhos macios de sua pele, escalar os montes de seus músculos, percorrer suas curvas e perder-se para sempre em seus recantos mais obscuros é o exercício existencial ao qual me dedico desde a minha pré-história. Como diz o poeta Geraldo Carneiro: “Amar é o mar em que me precipito.”

Encontrei minha amiga do outro lado da rua, em pé na calçada, à espera de que meus olhos distraídos, enfim, cruzassem com os seus. Naquele momento, vagava sem rumo, em busca de um canto para amarrar as palavras que vêm dançando em volta de minha cabeça nesses dias de reencontros com velhas paixões, e eis que ela emerge na terceira margem do rio, como uma aparição. Sincronicidade. Andava no seu jeito de sempre, como quem pisa descalço no chão, e me tomou pela mão, dizendo que queria ver o mar. Porém, de longe! Pois as ondas ainda a assustam com as lembranças de abismo e a maresia que traz de volta a história trágica de sua vida. Porém, uma chuva começou a cair intensamente e nos lavou o passado. Éramos inteiros naquele momento e, assim, pude vislumbrar seus ventos. Ela finalmente enterrava seus mortos.



Mais tarde, no velho botequim de bandeira lusitana, conversamos sobre a alma. Ela me disse, então, que a vida só se mantém após a morte na memória dos que estão vivos. Discordei por instinto, sem saber argumentar numa retórica patafisica. Como não sei nada desses assuntos, deixo o desejo decidir. Além disso, sei que em todas as sociedades e culturas humanas há a idéia de continuidade existencial.

Depois de nosso vôo sideral, nos despedimos de uma vez por todas num abraço. Éramos agora completamente outros em nós mesmos. Zerados em um novo começo.

6 comentários:

Camaleoa disse...

Acho que concordo com ela.
Tá fogo isso aqui, hein? Haja fôlego, Paulinho. Beijo.
p.s.: adorei esse texto.

ipaco disse...

Eu sei. É fogo mesmo. Mas você está andando, e é isso que tem que fazer. Beijo.

Anônimo disse...

nao se esqueça: meus heróis morreram de overdose! mil beijos

ipaco disse...

Putz, minha memória foi embora. Já esqueci tudo. Mas ontem mesmo conversava com Paulo Pires sobre essa frase e ele me corrigiu, trazendo a coisa para a nossa realidade geracional: meus heróis morreram de cirrose...

Anônimo disse...

sobre o kung fu, maestro...

ipaco disse...

ah, claro. Putz, que memória!