domingo, 9 de agosto de 2009
Pegadinha na Praça da Bandeira
Katia, do Aconchego, ainda ajeitando a casa recém-aberta do outro lado da rua
Outro dia folheava uma matéira no Rio Show, do Globo, sobre os bares da Praça da Bandeira e, quando a li a legenda de uma das fotos, pensei: "putz, erraram o bar". É que a foto era do Aconchego Carioca, boteco nunca suficientemente louvado nas páginas virtuais deste Pendura Essa, mas o box da matéria trazia no título: "Bar da Frente"... Porém ao continuar a ler a matéria vi que o engano era meu, ou melhor, que as meninas do Aconchego, Katia e Rosa, resolveram dar um nó na minha cabeça e mudaram o bar de lado na calçada e entregaram as chaves do ex-Aconchego à Valéria e à Mariana, mãe e filha, que abriram o Bar da Frente no lugar, mantendo a mesma parede grafitada e o clima de aconchego. Parecia coisa de twilight zone ou pegadinha de bêbado, sacumé?
O garçom Maurício, abraçado por Rosa: aconchego
Ontem, queridos amigos, fui tirar isso tudo a limpo. E, de fato, Katia e Rosa, cansadas de fila na porta, pegaram o sobrado em frente e ampliaram o espaço do Aconchego e repassaram a velha casa à dupla Valéria-Mariana, que já trabalhava com elas tocando a cozinha do Aconchego no Cinemathèque, em Botafogo, um esquema inteligente que as meninas costuraram com o Leo Feijó. Mas o pequenino Do outro lado, orgulhoso, está oferecendo cardápio próprio, com destaque para os sanduíches especiais e os pasteizinhos com recheios diversos e bastante temperados. Em comum, os dois botecos dividem os divinos bolinhos de feijoada de Katia e Rosa e eventuais contrabandos de quitutes levados de um lado para o outro da rua, já que são todos da mesma família espiritual. A oferta de cerveja continua diversificada, nas duas casas, uma virtude considerável, diante do monopólio que a AmBev impõe aos pequenos comerciantes da cidade (e que está agora lhe custando uma multa astronômica por concorrência desleal).
A turma da cozinha do Aconchego: fábrica de maravilhas
Também tive a oportunidade de voltar a experimentar o croquelete do Petit Paullette, petisco fruto da criativa mente de meu amigo Paulo Barbosa, o Paulette. Um verdadeiro empreendedor institivo, que conhece tudo do ramo. Nenhum MBA é capaz de ensinar o que ele sabe, fruto da observação empírica. Não posso ainda revelar os detalhes, mas ele e o Fernando, do Enchendo Lingüiça, que acabou de receber o prêmio de melhor botequim da cidade, no festival organizado pelo jornal O Dia, estão armando uma parceria. Vem coisa boa por aí.
O salão do Aconchego, com clima de cidade do interior
Aliás, ontem também visitei o Enchendo Lingüiça pela primeira vez desde que o Fernando abriu a fábrica de lingüiça, em outro bairro bucólico da cidade, o Grajaú. Não pude deixar de provar o joelho de porco, que gira na televisão de cachorro, convidando seres caninos e humanos ao banquete. Também experimentei a lingüiça (êpa!) de cordeiro com hortelã. Servida com pãezinhos passados na chapa com manteiga, excelente acompanhamento para a cerveja gelada, que, no Enchendo, sai na tulipa de chope ou na ampola mofada da penungem de gelo.
A sala de fumantes do Aconchego, com meus amigos Paulo Mussoi e Cesinha Bayma (à esquerda) numa mesa de jornalistas: aqui não é São Paulo
Foi muito bom rever os amigos queridos depois de alguns meses de secca. Como sempre fui obrigado a pôr o pé na jaca. Os dois.
O Bar da Frente lotado, diante do Aconchego, do outro lado da rua
Mas, voltando à matéria sobre a Praça da Bandeira, sempre me dá um certo calafrio quando vejo alardeado por aí, em titulares de jornal, o anúnco de novos pólos gastronômicos e coisa e tal. Certamente a propraganda é boa para os negócios dos meus amigos e não serei egoísta a querer preservar as coisas só para mim e os meus. Mas, às vezes, a pressa da notícia afeta o processo "orgânico" de crescimento de uma área, acelerando sua degradação, atraindo para ela especuladores interessados em abrir uma casa para logo depois fechar e embolsar o lucro, sem pensar no bairro, na qualidade de vida e, sobretudo, nos moradores do lugar. Construtoras, imobiliárias, redes e cadeias de restaurantes, shoppings etc.
Fernando, do Enchendo Lingüiça, com a televisão de cachorro ao fundo: joelho de porco no Grajaú
De repente, o bairro se "valoriza", isto é, sofre um processo agudo de aburguesamento, e muitos desavisados ficam felizes e orgulhosos. Mas aí os aluguéis saltam para níveis estratosféricos e os antigos moradores são expulsos pelos altos preços de tudo e, no fim, forma-se um outro bairro, que foi fagocitando o antigo, cheio de espigões e sem personalidade, que os novos moradores, atraídos pela propaganda, ostentam como sinal de modernidade. Um efeito Barra da tijuca, um bairro que não tem esquina e onde não se anda a pé. Vejam bem, meus amigos, não estou aqui defendendo a manutenção dessas áreas da cidade como museus de um modo de vida que foi desaparecendo em meio à especulação imobiliária, sucumbindo ao desenvolvimento desordenado, aos planejadores urbanos que, prepotentes, não ouvem os moradores ao criar seus projetos etc. Apenas gostaria de ver as coisas tomarem seu rumo próprio, sem a necessidade de um acelerador de partículas, que é a mídia.
A boemia sempre foi uma vocação da Praça da Bandeira
Além do mais, a noção que a burguesia tem de boemia é outra. São as boates e bares sofisticados, inacessíveis ao cidadão comum, como o tal do Londre, louvado numa matéria assombrosa do último número da Revista Programa, no Jornal do Brasil. A reportagem destaca, como uma das virtudes do bar, o preço da coca-cola light: R$ 8,50. Sim, meus amigos, repito aqui para que vejam que não foi erro de digitação: R$ 8,50. O bar é freqüentado ainda por socialites e celebridades que não pagam nada porque, segundo o dono, agregam valor à casa. São os freqüentadores desses lugares que clamam por choque de ordem, cujos excesso já fizeram fechar uns dois ou três bares e botecos aqui em Botafogo. Sem falar que as multas por mesinhas nas calçadas, que chegam a R$ 20 mil em alguns casos, estão enchendo o bolso de muito fiscal da prefeitura. Tenho a impressão que o ideal de cidade para esses administradores são as ruas vazias e os shoppings lotados (fico pensando que atrocidades não trará o Plano Diretor da cidade que está para ser votado na Câmara).
E, ademais, estamos falando da Praça da Bandeira, um dos bairros mais interessantes do Rio de Janeiro, ainda razoavelmente preservado em seu casario do início do século passado e pouco conhecido de muita gente, que pensa que a Praça da Bandeira se resume àquele trecho apertado, cortado ao meio pela Radial Oeste, quando passam apressados rumo ao Maracanã. É fato que as ruas do bairro, que me lembram tanto as do meu pedaço bucólico de Botafogo, vivem uma efervescência, que a reportagem do Rio Show percebeu. Só que a Praça da Bandeira, como de resto a Tijuca, o Maracanã e São Cristóvão, sempre foi assim. Para quem gosta de boemia e de Rio de Janeiro, a matéria não traz novidade, exceto a pegadinha que o Aconchego pregou neste pobre e desvalido escriba, ao mudar de lado da calçada.
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7 comentários:
Paulo Mussoi é, de fato, aquele que não bebe e assina uma coluneta no jornaleco com nome de destilado?
Se eu estivesse no Rio, a Praça da Bandeira não me escapava hoje. E tudo por culpa, ou melhor, por dolo desse texto aqui.
Valeu Marcelo. É realmente um lugar dos mais interessantes do Rio em vários aspectos. Abração.
Só pra complementar, Paulo, certeira e oportuna a análise que você fez do processo de descaracterização artificial dos bairros. Um abraço
eles fazem isso com pessoas, tb, pra poderem alimentar a boca faminta devoradora de "novidades". Aí o meio artístico fica cheio de mitos inconsistentes pq, na verdade, ainda não estavam no ponto de aparecer tanto...
Bom paralelo, Andrea.
fui ate lá hoje, e gostei, quem sabe seu amigo do Enchendo linguiça, venda para ele uma linguiça melhor.
A deles é pessima, mas o resto hummm, delicia.
Ate o batido caldinho de feijão, que tomei enquanto esperava os petiscos, estava otimo.
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