Outro dia recebi um e-mail me convidando a endossar um abaixo-assinado para tirar José Sarney da Academia Brasileira de Letras. Recusei. Ora, sem negar que por lá passaram e estão grandes figuras de nossa literatura e nossas artes, a ABL — ao contrário do que pretendeu Machado ao fundá-la —, sempre se prestou, como instituição, a esse tipo de homenagem sem sentido e sem valor. Portanto, na minha humilde opinião, Ribamar tem o seu lugar por lá. É um meio em que ele se move bem e com desenvoltura, sobretudo no chá das cinco. Não quero aqui desmerecer aqueles todos que estão na Academia por merecimento de suas artes, como o próprio Machado, Zé Lins, Guimarães Rosa e, mais recentemente, Nelson Pereira dos Santos, pois estas considerações são de ordem filosófica e não estética e, ademais, nem mesmo li Os marimbondos de fogo ou outra obra qualquer de Ribamar, para poder tecer qualquer avaliação de ordem estética.
Acho mesmo inclusive que toda essa onda contra o Sarney, estimulada pela mídia, merece uma reflexão um tanto mais profunda. Não quero defender a cultura do coronelismo, o nepotismo e todas as falcatruas do nosso nobre senador e seus descendentes. Mas, venhamos e convenhamos, é para no mínimo desconfiar, quando as pedras são atiradas, com todo o rancor, por figuras nobres, como o neto de ACM, o filho de Cesar Maia, entre outros lábaros que tremulam no Congresso Nacional. De repente, esses aí se tornam defensores da ética. Arthur Vigílio, uma vez revelado o telhado de vidro, sumiu da mídia. E ademais muito se conta sobre ele no Amazonas, coisas muito além de dar emprego a parentes.
Quero assinar um manifesto contra esse estado de coisas, mas não quero mais ser usado como massa de manobra numa luta que, para mim, é obviamente eleitoral e não ética, como se apreoga.
Acho que, pela primeira vez, algumas instâncias da República começam a funcionar. O Ministério Público, a Receita, setores da Polícia Federal, juízes de primeira instância, advogados comprometicos com o amadurecimento da democracia, entre outros. Daí as discussões riquíssimas na academia, nos cursos de história, ciência política, sociologia, antropologia, direito etc. Daí também a profusão de denúncias e escândalos. Só que uns são mais incensados do que outros pelos jornais, segundo interesses. A comoção contra a prisão da dona da Daslu, por ter aparecido algemada, e outros freqüentadores do Country Club, é um exemplo. Imediatamente, o Supremo manda soltar e brada contra o excesso da Polícia Federal e o uso de algemas, quando estas são uma determinação da lei.
Ou seja, quando o sistema democrático começa a estimular, no seu processo de amadurecimento, o surgimento, nas instâncias primárias das instituições da República, de ações antes impensáveis contra poderosos e a repugnante elite desse país, os caras lá de cima reagem. No Executivo, no Congresso e no Judiciário. Mas também na mídia, que dá eco a essas indignações e voz a determinados pontos de vista. Por isso, se for pra assinar um manifesto, este deve ser, a meu ver, em defesa desses profissionais republicanos que estão fazendo o seu trabalho de investigar, denunciar e processar essa cambada que aí está.
A questão não é mais tirar o Sarney, como tiramos o Collor, Renan, ACM e outros, e deixar a estrutura apodrecida dessas instituições intacta. É preciso uma profunda reforma política, abrangendo os três poderes, aumentando a representatividade dos diversos segmentos sociais, dos estados e municípios, impedir que qualquer governante fique refém de acordos e conchavos para poder implantar as políticas pelas quais foi eleito. Só que isso é mais complexo. Dá mais trabalho. É mais fácil e transbordante do ponto de vista emocional jogar pedra no bandido da vez. Nos sentimos muito bem quando ele vai pra casa, aparentemente, com o rabo entre as pernas. Mas o sistema permanece mais fortalecido na sua perversidade.
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