quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Mais uma vez a cidade

Rua da Passagem, em Botafogo: o velho e o novo lado a lado: Reparem como os novos empreendimentos são afastados da calçada e da vida na rua


Esse blog está se transformando numa espécie de arqueologia da vida urbana. Li hoje que a livraria Letras & Expressões do Leblon fechou as portas definitivamente. A última livraria de rua da Ataulfo de Paiva. Também me lembro que há alguns anos a farmácia Piauí, do outro lado da rua, quase fechou e acabou mobilizando certa reação dos vizinhos, acostumados a comprar seus medicamentos ali. A Modern Sound, que fechou no último dia de 2010, era a última de dez lojas de discos de rua em Copacabana. Nos Estados Unidos, li outro dia, o sistema de alugar filmes pela internet matou as locadoras de vídeo no país.

Tudo isso faz parte, evidentemente, do ciclo incontrolável da vida urbana. As cidades se transformam continuamente. Novas gerações vão ocupando os espaços e consumindo a cidade a seu jeito. Novos empreendimentos financeiros e comerciais se sucedem a partir de demandas, mas também moldando os gostos do consumidor. Os condomínios auto-suficientes, que se multiplicam em Botafogo, não vendem apenas imóveis, mas igualmente estilos de vida, noções de mundo, valores morais, muitos deles forjados em campanhas de marketing.

Meu colega de jornal Rogério Daflon citou o Pendura Essa no blog Rio, régua e compasso, hospedado no site do Globo (aqui), num post intitulado Território da especulação selvagem, mencionando os posts abaixo sobre a ocupação desenfreada de Botafogo. Foi legal mais uma vez constatar que o assunto dá Ibope e mobiliza as pessoas. Algumas criticam o tom crítico das observações, afirmando que o bairro está melhorando com as novas construções. A maioria, no entanto, vê com preocupação a transformação, sobretudo no que se refere ao impacto ambiental e urbano que o aumento da população (e de carros) provocará.

É impossível deter o movimento de transformação das cidades. A cidade, como dizia Robert Ezra Park, um dos pais da Escola Sociológica de Chicago, não é composta apenas pelo aglomerado de ruas, avenidas, praças e prédios, mas sobretudo pelos sonhos e desejos das pessoas que as habitam. Novos usos dos espaços públicos, novos tipos de comércio, novas maneiras de morar, conviver e compartilhar os espaços comuns etc. são coisas que estão em constante movimento à medida que as gerações se sucedem. Mas isso não significa que devemos permanecer acríticos e despreocupados quanto às formas como forças econômicas poderosas loteiam os bairros em nome do lucro.

O mercado imobiliário está extremamente aquecido. A expansão econômica dos últimos anos, os projetos esportivos previsto para a cidade nos próximos anos (Copa e Olimpíadas), os mecanismos de financiamento imobiliário e a nova lei do inquilinato estão fazendo os preços saltarem para além dos fundamentos econômicos do mercado, gerando o que os economistas chamam de bolhas que, em algum momento, podem estourar. Isso tudo pressiona incorporadoras, construtoras e imobiliárias e maximizar a construção de seus empreendimentos e cabe às populações, através de suas associações, e ao Poder Público o controle desse processo, para que se estude e previna os efeitos do impacto ambiental dessas iniciativas na vida dos bairros.

8 comentários:

Unknown disse...

Realmente esta assunto dá ibope, principalmente quando alguém ofecere pontos de vista diferentes como você.

Também citei o Pendura no meu blog:

http://www.ilhados.com/2011/01/aumento-da-escolaridade-e-o-fim-dos.html

Abraços, Norton.

soraya disse...

PT, você precisa colocar essa sua série no site do LeMetro, lá na sua página no LeMetro ! Correndo, antes que a cidade acabe! E o que houve na serra, sabemos que não se deveu única e exclusivamente à ocupação irregular. Mas o número de pessoas arrastadas foi muito grande, e esse horror não está mais na iminência de acontecer. Está acontecendo numa sequência vertiginosa, pois o índice pluviométrico aumentou. Friburgo cresceu muito, de uns anos para cá e atrás da minha casa, já não reconheço mais nada. Tem um mundo ali. Felizmente na nossa rua não houve nada, pois fica no alto de um pequeno promontório. Em compensação, na parte de baixo, do outro lado do rio, onde fica a Fábrica Ypu, ficou tudo arrasado. Muito, muito triste uma cidade inteira destruída, debaixo de um mar de lama.

ipaco disse...

Norton, obrigado pela menção no blog. É bom ver que as preocupações em relação ao bairro são compartilhadas. Abs. pt.

ipaco disse...

Sô, você tem razão. Quero organizar esses posts num artigo mais completo e colocar no site do LeMetro.

Quanto a Friburgo e a Região Serrana, estou preocupado, pois não tenho notícias da Débora e sua família. Já mandei e-mail e tentei ligar e necas...

As cidades estão inchando de forma incontrolável ao mesmo tempo que o clima está cada vez mais violento. Esses desastres naturais tendem a piorar com essa combinação perversa. O poder público é muito omisso em relação ao meio ambiente. Trata a coisa como uma moda bicho-grilo de ativista verde, quando o assunto é cada vez mais sério, como se vê.

Giovanna e Beto disse...

Mais uma vez um texto ótimo, querido. Escrava sobre essa tragédia também. Entrei hj no FBook crente que as pessoas iam estar se mobilizando e parecem estar mais preocupadas com o tombo da Amy. Acho realmente revoltante esse lado do brasileiro que só aponta a culpa dos políticos mas é incapaz de se mover como um voluntário para ajudar aos outros.
Desculpe o desabafo no seu blogue!

Giovanna

ipaco disse...

Gio, você está certíssima. Muito pouca coisa no Fbook sobre essa tragédia.

Beijo em vc, Beto e Bento

Unknown disse...

Paulo,

Que saudade da sua época a frente do Rio Botequim (se é possível ter saudade de uma época que não se viveu!).

Fiz uns comentários sobre a edição de 2011 no meu blog e cheguei a conclusão que concordo com tudo que você disse sobre o de 2010, mesmo que tenha sido de uma forma mais "polida".

http://www.ilhados.com/2011/01/rio-botequim-2011.html

Abraços, Norton Tavares.

ipaco disse...

Salve, Notton. Vou dar uma olhada lá. Abs.