quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A sabedoria ecológica

Devastação em Teresópolis na imagem do colega do Globo Gabriel de Paiva

O volume de chuvas que atingiu a Região Serrana não foi o maior já registrado, revelaram hoje os jornais. Mas mesmo assim, foi um volume anormalmente maior do que o convencional para o mês e se deu após vários dias de chuvas contínuas, que já haviam encharcado o solo, potencializando os deslizamentos. Além disso, as nascentes de rio, no alto das montanhas, sobrecarregadas com o volume d’água, desceram como tsunamis, em direção aos vales, onde está boa parte das residências. Em menos de 15 minutos, a água subiu de cinco a dez metros, quando muita gente ainda dormia. Não deu tempo para nada.

As moradias nas áreas de risco foram devastadas, como era de se esperar num caso como esse. Mas a chuva atingiu muito mais do que as regiões condenadas pela Defesa Civil. O Centro de Nova Friburgo, por exemplo, teve prédios desabando e as ruas transformadas em um mar de água barrenta e, mais tarde, lama. A quantidade de gente desaparecida e o impacto de doenças como leptospirose, hepatite e tifo certamente vão elevar o número de mortes, que já é recorde. O processo de reconstrução será lento e doloroso e certamente deixará cicratizes emocionais.

Vemos uma ocupação desordenada. O fluxo de migrantes das grandes cidades para as cidades de porte médio do estado (e do país) cresce a cada ano, com as pessoas buscando uma qualidade de vida melhor, justamente porque há uma noção muito precisa de que as cidades estão saturadas a ponto de não poder mais oferecer formas de vida de proximidade, que cidades menores ainda oferecem. Bairros como Botafogo, que ainda têm uma vida provinciana, no sentido da proximidade e da convivência, estão rapidamente se fechando em condomínios defensivos e exclusivos. As pessoas que precisam da presença do outro então se mudam para o interior. O problema é que essas cidades menores não têm estrutura para receber tanta gente.

Ironicamente, tenho um amigo que se mudou para Petrópolis em busca da tal qualidade de vida melhor que uma cidade como o Rio, segundo ele, não pode mais oferecer. Além disso, ele acredita no calendário maia, que prevê uma grande inundação das regiões costeiras dos continentes em 2012. “Vou para o alto da montanha”, me disse. “Isso aqui tudo vai alagar!”. Bem, felizmente sua casa nova não sofreu com as chuvas. Mas não resisti em dizer a ele que os desequilíbrios que o homem está provocando na natureza terão conseqüência em qualquer lugar. Na Serra ou no litoral.

Estamos passando por mudanças climáticas agudas e não dá mais para tapar o sol com a peneira: esses fenômenos verificados em todo o planeta são o efeito do aquecimento global. Lá no jornal, conversando com especialistas, eles chamam a atenção para a coordenação desses eventos. As inundações na Austrália e no Brasil, na mesma faixa hemisférica, associadas a um verão com temperaturas bem quentes e muita umidade, se completam com invernos rigorosíssimos no Norte, com nevascas intensas. Tudo parte do mesmo ciclo ecológico.

A ecologia ampla, abrangendo a sua vertente que estuda o comportamento humano nas cidades, deve ser uma forma de sabedoria cada vez mais incorporada. Não dá para deixar apenas a idéia de desenvolvimento econômico nortear o rumo das coisas. O planeta é finito. Os recursos naturais escasseiam, é preciso desde já proteger mananciais de água doce e habitats naturais e garantir formas sustentáveis de exploração desses recursos. Está na hora de unir a noção de desenvolvimento econômico à idéia de crescimento sustentável.

2 comentários:

Tito Rosemberg disse...

O amigo sempre atento e profundo. Sua versão da história mereceria um editorial do0s grandes jornais. Uma lição de sabedoria. Parabéns amigo!

ipaco disse...

Querido Tito, muito dessa "sensaibilidade" ecológica, aprendi contigo, nos tempos do Buziano. Abração, mano véio.