sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Bares e cidades

Bar da Adelina, meu botequim do coração em Botafogo

Distante do Rio Botequim há alguns anos, fui convidado pela editora Casa da Palavra e por Guilherme Sturdart para participar da edição que chegou agora às livrarias, contribuindo com um ensaio sobre bares que saíram nas edições do guia, mas fecharam as portas em meio ao processo incontrolável de transformação da cidade. Ao mesmo tempo, fui convidado pela Subsecretaria de Patrimônio Cultural da Prefeitura, coordenada por Washington Fajardo, para participar do 1º Seminário Internacional do Bar Tradicional, com a presença de representantes de pubs britânicos, bierhauses alemãs e de bodegones argentinos. No evento, 12 bares tradicionais e centenários ganharam certificados de “estabelecimentos de interesse cultural da cidade”, o que não equivale a tombamento, como saiu publicado nos jornais.

Apesar de organizado pela prefeitura, o evento não foi nada chapa-branca, ao se considerarem o nível de crítica e as observações duras dirigidas ao poder público municipal, tanto por parte dos donos de bares tradicionais quanto por parte dos palestrantes. Basicamente, o pessoal quer que o reconhecimento da prefeitura vá além dos certificados e se concretize em ações, como isenções de impostos, desburocratização de certas normas que permitem o achaque dos fiscais aos donos de botequins e por aí vai. O seminário ficou num meio termo entre um papo de botequim e um evento acadêmico, com a participação de estudiosos da cidade, como o historiador Antonio Edmilson, o economista Carlos Lessa, além do próprio Studart, e eu mesmo, com minhas pesquisas antropológicas sobre botequim e sobre Botafogo.

Le Penty, meu botequim do coração em Aligre, Paris

Particularmente gostei muito das intervenções do pessoal de minha mesa, que tratou do clima de botequim: o poeta Alexei Bueno, que trabalhou na área de patrimônio cultural e esclareceu muita coisa importante sobre isso; o ator Antonio Pedro, que está com uma peça sobre histórias de botequins e fez uma crítica à tendência atual de o Estado tentar tutelar as pessoas na questão do consumo de álcool e cigarro; Rosana Santos, dona do Bar Luiz (onde tomei um excelente chope da Heinenken, após o primeiro dia do evento); Fernando Breschnik, dono do Enchendo Lingüiça; todos mediados pelo jornalista Pedro Landim.Também foi ótimo rever, eu que ando afastado das mesas de botequins, amigos queridos como Kadu Tomé, do Bracarense, seu Manoel, do Jobi, Kátia e Rosa, do Aconchego, Leo Feijó, do Boteco Salvação, entre outros. A ausência conspícua foi a de minha querida Mila Chaseliov, que trocou isso tudo pelo Muro das Lamentações.

No segundo dia, fiquei impressionado com a intervenção do Antonio Rodrigues, do Belmonte, que, num tom nitidamente defensivo, confirmou que não está interessado na preservação de casas tradicionais, mas sim comprar aquelas que vão mal das pernas ou que não têm sucessores com disposição de continuar no ramo, e transformá-las em casas de sucesso. “Apareceu uma galinha morta, estou comprando”, disse ele. Ao ouvir isso, pensei logo no meu Bar Brasil do coração, com sua chopeira de bronze. Localizado num ponto agora valorizadíssimo, o botequim centenário vem sendo assediado por empreendedores interessados, como o próprio Antonio e o pessoal do Carioca da Gema. Meu medo é que ofereçam uma oferta irrecusável e adeus Bar Brasil.

Mas considerando as coisas no geral, desde a abertura, com a fala do prefeito Eduardo Paes, aos donos de boteco, acho que está bem claro a todos que o processo de preservação e mudança têm uma relação dialética inevitável em qualquer centro urbano. A cidade é um lugar que se transforma de forma constante e inevitável, mas também é uma realidade a resistência que seus moradores impõem sobre o território, os estabelecimentos e as formas de vida comum nos bairros.

Estamos num processo muito acelerado de transformação urbana, não só pelos eventos anunciados a frente, como Olimpíadas e Copa, mas pelo próprio processo de globalização das cidades numa lógica mercantil e de concorrência, que impõe a todas elas reformas urbanas que vão desde a renovação das áreas portuárias (Barlecona, Bilbao, Paris, Liverpool, Istambul e Rio, só para citar alguns casos), cinturões de segurança (UPPs, no Rio, políticas de segurança em Bogotá, política do broken window em várias cidades dos EUA, entre outros), políticas de tolerância zero (choque de ordem no Rio) e por aí vai.

São as chamadas cidades-commodities, disputando no mundo globalizado investimentos e turismo, e se reformando para tornar isso possível. As conseqüências negativas são, evidentemente, a transformação radical das cidades, o aburguesamento dos bairros, a piora dos índices de criminalidade fora dos cinturões de segurança, a especulação imobiliária e a perda de uma memória citadina, em que a tradição e o patrimônio urbanos são apropriados pelo marketing, na tentativa de se criar uma marca publicitária para a cidade, a partir de valores meramente mercantis, mas disfarçados de “autenticidade”.Com isso, a identidade de cada cidade vai se diluindo em meio às coisas que são comuns a todas elas, como se fossem um grande shoppingcenter.

No seminário do bar, vi nitidamente essas forças — tradição e modernidade — se digladiando pelo direito ao território da cidade.

6 comentários:

Unknown disse...

Bar da Adelina, seu boteco do coracao? Entao ve se aparece de vez em quando...

ipaco disse...

Vou sempre que posso, Jason... :-)

ips disse...

ah, se mila abrir um bunda-de-fora nas proximidades do muro das lamentações, vai fazer um bom pé de meia ! belo relato, PT. precisamos conversar, e já há muito ! quero saber detalhes dessa conversa toda dos últimos dias.

ipaco disse...

Vamos sim. Até porque as coisas continuam na sua intensidade cotidiana. Hoje foi aniversário de Adelina, estou chegando do bar agora, ainda trôpego de emoção. Bjs.

A VIDA NUMA GOA disse...

Ah, então você....?
Sensacional!

ipaco disse...

Pois é...