quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O espírito natalino e o pôr do sol em Ipanema

Alfredinho, meio borrado na foto, uma espécie de Papai Noel socialista

Num desses dias de folga do jornal, durante a semana de Natal, aproveitei para dar uma caminhada com Soraya pelo Arpoador à hora do pôr do sol. A idéia original era mergulhar nas águas transparentes daquela ponta de Ipanema, que me devolve à época de minha adolescência, quando o mundo ainda se descortinava diante de mim. Aquele fim de dia, no calor do verão carioca, merecia um mergulho refrescante. Mas fomos nos distraindo com a multidão que ocupava tanto o calçadão como as areias. Parecia um dia de domingo de tão cheio, e no entanto era apenas uma quinta-feira à boca da noite.

Há muito que não andava pelo calçadão do Arpoador e fiquei surpreso ao encontrar tudo mais ou menos igual ao que ali sempre foi desde minha infância. Esbarramos inclusive com uma turma de cinquentões, com cara de hippies envelhecidos, curtindo como se adolescentes fossem uma banda de rock'n'roll e reagge, estrategicamente tocando à entrada do parquinho. Aquela circunstância dava um clima de Búzios nos anos 70. Até reconheci Bocão, o famoso surfista da minha geração.

Lá pelas tantas, o sol começou a desaparecer na linha do horizonte, como diria Cartola, tingindo o céu em tons avermelhados e dando ao contorno dos morros Dois Irmãos um contraste bonito. Alguém puxou as palmas e logo havia uma multidão aplaudindo o espetáculo da natureza. Entre elas, uma mulher que nos chamou a atenção pela forma enfurecida como batia as mãos, a ponto de tornar sua performance mais evidente do que a dos outros que estavam em torno dela. Soraya me olhou com uma expressão familiar, misturando ironia e uma certa decepção. Então emendei:

"O que diria Goffman de uma encenação dessas?"

Estava me referindo a Erving Goffman, que em suas reflexões recorreu à metáfora do teatro para analisar as situações cotidianas. Ele fala de encenações e projeções de imagem que fazemos inclusive inconscientemente para os outros a fim de garantir que as situações sociais tenham um determinado desfecho favorável às nossas pretensões, sejam estas quais forem. Pela forma exagerada como aquela mulher batia palmas, ficava evidentemente clara sua estratégia de se mostrar integrada àquele meio e àquela turma. Porém, como ela exagerava, sua representação teatral perdia a eficácia desejada, tornando-a mesmo um tanto ridícula em sua ênfase e, por extensão, tornava igualmente ridículas, pelo menos a nossos olhos desencantados, aquelas pessoas todas ali, aplaudindo o sol, no que nos parecia uma exibição narcisística e falsa.

Essa percepção ganhou mais força ao ouvirmos o diálogo entre dois vendedores ambulantes que trabalhavam desarmando suas tralhas:


"Em vez de bater palmas, bem que podiam nos ajudar a carregar essa tralha."

Rimos daquela situação e seguimos adiante, tendo desistido de mergulhar entre a multidão que se espremia na areia. Caminhamos rumo a Copacabana, onde seguimos pelo calçadão da Atlântica até a altura da Almirante Gonçalves, onde entramos para pegar o metrô. No caminho, aproveitamos para abraçar Alfredinho no Bip Bip. Ficamos com ele uns 40 minutos, conversando sonbre diversos assuntos, enquanto ele organizava sem alarde os últimos preparativos para o almoço coletivo de Natal que todos os anos ele, com a turma do Bip, prepara para a população de rua de Copacabana. É uma ceia preparada no Copacabana Palace e que chega ao Bip naqueles carrinhos de avião, que mantêm os alimentos quentes.

Além disso, Alfredinho também estava cadastrando moradores dos morros em torno do bar para receberem cestas básicas. Nessa pouco mais de meia hora que ficamos ali, vimos algumas famílias chegando para se registrarem num caderno pautado, que uma pessoa anotava, seguindo as instruções de Alfredinho. Ele, por sua vez, entrevistava as pessoas, perguntando quantas eram, se estavam empregadas, se as crianças estudavam etc.

Como ocorre toda vez que me encontro com Soraya, já no metrô, fizemos um balanço do nosso passeio pela zona Sul carioca, buscando uma síntese coerente em relação ao que presenciáramos desde o pôr do sol em Ipanema. E a imagem daquela mulher batendo palmas furiosamente, buscando chamar a atenção, nos pareceu um forte contraste com o jeito silencioso, sem alarde, com que Alfredinho ajuda centenas de pessoas todos os anos. Percebendo nossa admiração, ele se envergonhou e, num tom de desculpa, se justificou:

"É que sou socialista e católico."

4 comentários:

Ozias Filho disse...

por um momento, fiz a viagem que vocês fizeram; graças ao texto ilustrativo à medida ...

ipaco disse...

Querido Ozias, saudade, mano véio!

Leo Antunes disse...

Acompanho seu blog já há alguns anos e no momento estou em fase de pré-produção de um curta e queria lhe passar por email alguns assuntos.

ipaco disse...

Salve, Leo. Meu email: paulothiago@globo.com

abs