Botafogo, em plena transformação, com demolições de vilas e sobrados, para dar lugar a novos condomínios fechados.
Eu me lembro, quando estava em Paris, da discussão sobre as
reformas das estações do metrô. A prefeitura da cidade encomendou a diferentes
escritórios de arquitetos a renovação das plataformas e o que se percebeu foi
que as mudanças também visavam a impedir que os sem-teto pudessem transformar
os bancos em cama, além de uma série de modificações que tornavam uma prolongada
permanência na estação um tanto desconfortável. A ideia era tornar tudo bonito,
funcional e moderno, sem dar brecha a usos não planejados pelos gestores para
as plataformas. Não adiantou muito, porque as pessoas passaram a dormir
deitadas no chão. Mas as mudanças provocaram acaloradas discussões, com
opiniões a favor e contra na mídia e nas universidades, e evidenciou-se, mais
uma vez, o problema do que fazer com a miséria e a pobreza na cidade.
Em plena era das cidades-mercadorias, em que as metrópoles
disputam entre si os fluxos do capital globalizado, seja atraindo turistas ou
investimentos em negócios, criar as condições para receber esses recursos
tornou-se uma prioridade para as administrações municipais. Questões como
violência, miséria, má infraestrutura, transportes, limpeza urbana, mobilidade
e sinalização, oferta de serviços, realização de megaeventos, políticas de
tolerância zero e choques de ordem viraram prioridade, apoiadas num discurso
vertiginoso de desenvolvimento e euforia com a cidade que o cidadão herdará
como consequência dessas reformas.
Vemos exemplos que, aparentemente, deram certo, servindo de
modelo e se repetindo em outras cidades, como as políticas de segurança
adotadas em Bogotá, que inspiraram parte da políticas das UPPs no Rio; a
política de tolerância zero do prefeito de Nova York, Rudy Guiliani,
transformada em choque de ordem aqui. A renovação da área portuária,
normalmente degradada, em área de serviços e de negócios, com um museu feito
por um arquiteto renomado, enfim, os exemplos se repetem. Tudo isso, exigiu que
o Poder Público gerisse a cidade como uma empresa, com gestão profissional e
metas de produtividade. E, com os cofres vazios, as prefeituras (e demais instâncias
executivas) se associaram à iniciativa privada, que em troca, abocanhou boa
parte das benesses dessas reformas urbanas, a começar por mudança no plano
diretor para alterar gabaritos de construção e mudar zoneamento de áreas
urbanas para a construção de shoppings, prédios residenciais de negócios etc.
O setor imobiliário, aliás, foi o que mais se beneficiou
dessa lógica de gestão urbana. Apoiou-se inicialmente nas isenções tributárias
concedidas pelo governo federal, preocupado com a geração de emprego no setor
da construção civil. Em seguida, o Congresso aprovou a reforma da lei do
inquilinato, com o objetivo de destravar o mercado de imóveis, mas com mudanças
que tornaram precárias a posição dos inquilinos. O resultado foi uma renovação
do tecido urbano dos bairros com uma profusão de construção de prédios,
descaracterizando bairros tradicionais, e um êxodo urbano interno provocado
pelo que os sociólogos britânicos e americanos chamam de gentrificação.
Mas o problema dessa lógica é que, na bela cidade do futuro,
não há lugar para certa parcela da população. Exatamente essa que vai sendo
expulsa de bairros tradicionais ora por políticas de remoção, como a que
presenciamos na zona portuária ou na Vila Autódromo, ou expulsas pela
gentrificação. Ao mesmo tempo, questões básicas como educação, pobreza, saúde,
transportes, violência urbana, que exigem investimentos com uma lógica social,
sem gerar uma visibilidade imediata, que torne a cidade mais atraente ao
capital globalizado, vão sendo relegadas ao segundo plano. O importante é
tornar visíveis as reformas urbanas, as belezas naturais, a cultura da
população, criando uma imagem de marketing que transforme a cidade em marca
internacional.
Quem foi ao Maracanã ontem, na inauguração do estádio, como
meu amigo Jason Vogel, ficou impressionado com a beleza, a organização e
limpeza do Estádio Mário Filho. Depois dos elogios, no entanto, nos lembramos
de jogos históricos que presenciamos ali (eu vi Brasil 1 x 0 Paraguai, gol de
Pelé, em 1969, na eliminatória da Copa do Mundo de 70, com o maior público de
todos os tempos no Maraca: 210 mil torcedores), falamos de “geraldinos” e “arquibaldos”,
e Jason constatou: “O novo Maracanã não tem pobre. É o Maracanã da
gentrificação”.
Esse tipo de lógica urbana é uma contradição com a filosofia
de inclusão social, que o governo federal conseguiu implementar, ainda que
precariamente, nos últimos anos, distribuindo um pouco melhor a renda nacional,
gerando empregos formais, reformando leis coloniais de empregados domésticos,
entre outras iniciativas. Ela inclusive ameaça a continuidade dessa maior
integração social, atrasando investimentos em educação, moradia e saúde, os
pontos centrais de uma gestão humana, voltada para as pessoas e não
exclusivamente para determinadas parcelas da população e para a criação de uma
imagem fantasiosa de cidade maravilhosa, meramente como uma marca publicitária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário