domingo, 11 de julho de 2010

A terceira margem do sonho


Então você veio assombrar meu sono mais uma vez... Eu, que já a tinha perdido no fundo da memória, a ponto de esquecer seu nome, me vi assaltado no meio da noite, levado por suas mãos novamente àquele mundo que se dissolve em sensações. E mesmo no plano onírico você tecia os enredos de sua alma, colocando-se quase ao alcance de meu abraço. Sempre pronta para ir embora... aeroportos, o mundo de lá... Mas no sonho seus olhos tinham brilhos cintilantes. Não a dureza cinza e opaca que se fixou em mim na despedida remota. A frieza inerte do gesto que não se fez. No sonho você era o avesso, travessa e feliz... Me deixou roubar o beijo, antes de embarcar, e sentiu a mão que passeava por seus poros arrepiados... Confusa, duvidou do próprio destino. O navio apitava e já não sabia se devia embarcar. Olhava-me inquirindo. Via o mundo pela primeira vez com meus olhos, lá da margem, de onde acenava comigo o chapéu do adeus e dizia: quero ficar. E o abraço se completou enquanto se punha o sol. Assim, atravessamos o entardecer do sonho em silêncio, ouvindo a música do vento, sentido o calor morrer em cores quentes no horizonte... Éramos nós agora na proa rumo ao mundo novo. Mas enquanto o dia morria no sonho, a luz nascia no mundo real, trazendo a cidade em seus ruídos indiferentes. Despertei então e me vi esparramado, ofegante, teso e só. Tão vívida fora sua presença... Abriu todos os meus baús e o quarto se encheu de fantasmas.