
A capa do CD de Pedro Moares, Claroescuro
Continua rolando com intensidade interessante nos palcos, saraus e na blogosfera a discussão sobre novas possibilidades estéticas para a MPB, que estão fora dos padrões canonizados pelo mercado pop. E aqui me refiro a mercado no mesmo sentido que os economistas dão a uma cadeia econômica, com o artista, a gravadora, as casas de shows, o assessor de imprensa, o release, o jornalista especializado e o público. O processo ganhou certo destaque após uma reportagem de meu colega Leonardo Lichote, no Segundo Caderno do Globo, sobre o que ele definiu como a “geração fora do tempo”: compositores do Rio, que propõem uma repensada estética na cena musical brasileira. A reportagem cita Armando Lôbo, Edu Kneip, Sergio Krakowski, Pedro Moraes e Thiago Amud, mas de lá pra cá, alguns saíram da lista e outros entraram. Segundo Lichote, Guinga seria uma referência para o grupo, que, ao mesmo tempo, não se encaixaria na produção pop que vem com força de Sampa (figuras como Tulipa Ruiz, Romulo Fróes, entre outros) ou da chamada neoMPB (Maria Gadú, Edu Krieger e Roberta Sá, entre outros).
Renato Frazão e Thiago Thiago de Mello, do Escambo: tese sobre a Nova MPB (foto tirada da internet)
Lichote
vendeu essa pauta umas três vezes, antes de os editores do Segundo Caderno
toparem. Não havia nada explicitamente contra ela, mas também não viam nesse
assunto algo tão urgente ou importante. Após a réplica da turma de Sampa na
edição seguinte e a tréplica, o assunto saiu dos grandes jornais e continuou
nos bastidores com certa intensidade. Não posso confirmar como um fato
verdadeiro, mas soube que, curiosamente, Pedro Moraes, que lançou um CD
belíssimo (Claroescuro), teve um perfil que sairia da Folha de S.Paulo
cancelado sem explicações. Do mesmo modo, uma entrevista numa rádio especializada em MPB, também teria sido desmarcada após a reportagem de Lichote. Esses sinais, se confirmados, mostram que o assunto não é algo que se
desenrola tranquilamente e é uma pena que saia de cena nos grandes jornais, se
restringindo a um debate na academia — o compositor e músico Thiago Thiago de
Mello (do grupo Escambo) acabou de defender uma tese de doutorado em sociologia
da arte sobre a Nova MPB — e nos palcos e bastidores.
De
certa forma, e disse isso a Thiago Thiago em conversa recente, essa situação me lembra um pouco a Geração
de 45 na poesia brasileira. Muito mal compreendido pela crítica e o jornalismo
especializado, esse movimento normalmente aparece em breves e rasas avaliações
como um bando de poetas “caretas” e “retrógrados”, que ousaram defender a volta
da redondilha após a conquista do verso livre pelos modernistas. Na verdade,
essa geração, que não formou um movimento no sentido estrito do termo, pregava
o domínio da técnica literária da poesia antes de se jogar fora as regras.
Diziam algo como “faça o verso livre depois de aprender as formas
convencionais”. A preocupação era algo como: se tudo vale, então nada vale e
tudo se nivela por baixo.
Thiago Amud e a capa do seu CD Sacradança
Mas
desconfio que o maior problema dos poetas da Geração de 45 foi o fato de terem
criticado a decretação da morte do poema pelas vanguardas que vieram nos anos
50, especialmente o concretismo. Este se aliou ao tropicalismo graças à boa
relação de Caetano com os irmãos Campos e, juntos, passaram a integrar o cânone
da arte e da estética brasileira, pelo menos para certa crítica especializada e
preguiçosa. A
analogia com a Geração de 45 não é à toa, pois a reação do “mercado” à critica
que esses músicos levantam sobre a cena pop é violenta e visa a não dar espaço
a esse tipo de discussão, que, no fim das contas, propõe uma cena alternativa
ao que se tem ouvido por aí. Mais uma vez revela a força desse mercado e sua
constante busca de “otimização” do lucro por meio de uma estética padronizada e
pobre.
Quanto
à crítica que esses músicos fazem, acho importante destacar que não me parece
ser um mero preconceito pela falta de perícia e domínio das linguagens musicais
em si. Diferentemente da minha geração, quando os músicos instrumentistas
tinham abertamente um preconceito bobo contra quem não soubesse e dominasse
harmonia e coisa e tal, esses músicos atuais me parecem mais preocupados com a
estética do que com a técnica, como em geral também o foram os poetas da
Geração de 45. Esses músicos pensam sobre a linguagem da composição, que passa
pelo domínio técnico, mas não se restringe a ele. Pelo que ouvi até agora, acho
que esse impulso só tem a contribuir para a identidade estética da MPB.
4 comentários:
O universo da criação é sempre dilatado ao limite da possibilidade e hierarquia de desejos de cada um, não gosto de comparações do tipo fulano é mais rebelde que cicrano porque são sempre baseadas no que vemos do outro e não, necessariamente, no que realmente ele é ou sente.
Erudição, exercício de elaboração das informações apreendidas ao longo da vida, de ordem teórica e prática, é sempre sinônimo de acréscimo e liberdade de movimentos, não é atôa que se briga tanto por educação de qualidade sem distinção de grupos sociais, mas, na arte como na vida, não é garantia de coisa alguma.
Há, sem dúvida, uma infinita diferença entre o poeta e o que faz poesia, entre letrista e compositor e entre o músico e o que toca um instrumento musical e por isso se apresenta aqui ou ali ou ainda, faz “sucesso” no cenário das rádios e shows.
Espaço deveria existir para todo mundo, não é assim infelizmente, mas, sempre se encontra uma maneira de furar o bloqueio e deixar respirar o que é bom e faz sentido para quem ouve.
Música é cultura e como tal deveria exercer papel de educador, mas, também é puro entretenimento sem compromisso, regra ou conduta específica.
Se letras elaboradas e harmonias complexas são melhores que os “pires” de um único acorde?Não sei, gosto não se discute, quando muito se lamenta.
Abraços, Anna Kaum
Anna, obrigado por suas considerações. Li com calma. Essencialmente estamos de acordo. Penso que entretenimento e arte (na falta de uma palavra melhor) são forças distintas, sendo esta última mais incontrolável e selvagem, no sentido de sair do fundo da alma do artista direto para o fundo da alma daquele que entra em contato com a obra. É uma experiência que não necessariamente se traduz em entretenimento, como vc bem apontou. Ao contrário do entretenimento, ela não é algo necessariamente que nos distrai e entretém, mas algo que pode nos transformar radicalmente. Acho que o mercado, e suas instituições, tenta o tempo todo domar essa força, e transformá-la em mercadoria. Daí a sensação que esses músicos têm de que algo lhes é imposto e que se não produzirem tal e qual o padrao, fracassarão. A revolta é uma resposta artística, a qual o mercado, no futuro, tentará domar num ciclo que se repete. Mas o legal é que esse controle é sempre falho e podemos sempre e a qualquer momento sermos atravessados por uma poesia, um romance, uma instalação, uma música, um quadro, um filme, uma peça etc etc etc...
Infelizmente, ou não, nem eu nem vc temos mais vinte anos e tb por isso,certamente já vimos esta mesma “cisão” milhares de vezes, na música,no cinema,na literatura e nas artes plásticas e considero-a extremamente saudável sob vários aspectos,já que,no mínimo,provoca inquietação, desconforto e reflexão.Não descordo da posição dos “meninos”,talvez da forma,por conta de um certo cansaço e cinismo meus com a repetição de movimentos característicos de determinados sentimentos,mas,é justa a reivindicação de qualidade e honestidade no trato com os espaços;o mercado é um moedor de carne de quinta que vomita goela abaixo do consumidor desavisado,meia dúzia de verdades absolutas todo dia.Da onde eu olho,realmente não dá para se colocar na mesma prateleira Paulo Coelho e Dostoievski,ou Paganini e Gaviões do forró,só não sei se um elimina o outro ou se o que determina a beleza é exclusivamente a erudição.
No fundo eu sou só uma velha rabugenta!!!
Abraços, Anna Kaum.
Só uma pequena correção,o nome da citada banda é "Aviões do Forró" e não Gaviões.É que a intimidade com os "hits" do momento é enorme!
Abraços,Anna.
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