sexta-feira, 18 de junho de 2010

O instante decisivo


Amigos, com este post inicio uma série sobre meus fotógrafos preferidos. E para começar, traduzi um texto do Henri Cartier-Bresson, chamado O instante decisivo, que resume toda a lógica do ato de fotografar do gênio francês, fundador, ao lado de Robert Capa e outros, da agência Magnum, a agência que abrigou a nata do fotojornalismo do século XX. Hoje, a fotografia se digitalizou, muitos recursos foram criados, sobretudo após o ato da fotografia em si, no Photoshop e coisa e tal. Mas as observações de Bresson continuam válidas e distinguem boa e más fotografias na superprodução que abunda a internet e outros meios atualmente.



O instante decisivo

Há um novo tipo de plasticidade na fotografia, produto das linhas instantâneas desenhadas pelo movimento do objeto. O fotógrafo trabalha em uníssono com o movimento, como se este fosse o desdobramento natural de como a vida se revela. Porém, em meio ao movimento existe um instante em que todos os elementos que se movem ficam em equilíbrio. A fotografia deve intervir neste instante, congelando o equilíbrio.

O olhar do fotógrafo está constantemente avaliando. Um fotógrafo pode captar a coincidência de linhas simplesmente ao mover a cabeça uma fração de milímetro. Pode também modificar a perspectiva com um leve dobrar de joelhos. Ao colocar a câmara próximo ou distante do objeto, o fotógrafo pode desenhar um detalhe — ao qual toda a imagem pode ficar subordinada, ainda que tiranize quem faz a foto. De qualquer forma, o fotógrafo compõe a foto quase no mesmo tempo que leva para apertar o disparador: na velocidade de um ato reflexo.

Algumas vezes o fotógrafo pára, atrasa, espera que a cena aconteça. Outras vezes, há a intuição de que todos os elementos da foto estão lá, exceto por um pequeno detalhe. Que detalhe? Talvez, alguém repentinamente entrando no enquadramento do visor. O fotógrafo, então, acompanha seu movimento através da câmara. Espera, espera e espera, até que, enfim, aperta o botão — e então o fotógrafo fica com a sensação de que captou algo (embora não saiba exatamente o quê). Mais tarde, no laboratório, ele faz uma ampliação da foto e procura nela as figuras geométricas que saltam aos olhos e o fotógrafo se dá conta, então, de que a foto foi feita no instante decisivo. O fotógrafo fixou um padrão geométrico sem o qual a foto estaria sem forma e sem vida.

A composição deve ser uma das preocupações do fotógrafo, mas no ato de fotografar isso só ocorre a partir de sua intuição, já que ele está ali para captar o momento fugidio e todas as relações dos elementos que compõem a cena estão em movimento. Ao aplicar a “regra dos terços”, o único compasso que o fotógrafo tem são seus próprios olhos. Qualquer análise geométrica, qualquer redução da foto a um esquema, só pode ser feita — devido à sua própria natureza — depois que a foto foi tirada, revelada e ampliada. E aí, ela só pode ser usada para um exame post-mortem da cena.

Espero nunca ver o dia em que as lojas de equipamentos fotográficos vendam esquemas geométricos para colocarmos nos visores de nossas câmaras; ou a "Regra dos Terços"(!) colada nos nossos óculos. Se um fotógrafo começa a cortar uma boa foto, isto representa a morte à correta relação geométrica das proporções entre os elementos que compõem a imagem. Além do que, raramente ocorre de uma má foto, que tenha sido mal composta, seja salva pela reconstrução de sua composição no laboratório, pois a integridade da visão do fotógrafo não estará mais lá. Há muita conversa sobre os ângulos da câmara, mas os únicos ângulos válidos existentes são os ângulos da geometria da composição e não naqueles fabricados pelo fotógrafo que se deita no chão ou coisa que o valha para encontrar seu enquadramento.

1. A "Regra dos Terços" consiste em dividir o enquadramento em linhas verticais e horizontais, das quais os pontos "nobres" da imagem seriam aqueles das interseções dessas linhas.

* Tradução livre e informal do inglês por Paulo Thiago de Mello de trecho do livro The Decisive Moment, New York, 1952. Copyright 1952 Cartier-Bresson, Verve and Simon and Schuster.

2 comentários:

andrea canto disse...

Muito legais esses posts sobre fotografia. Eu ando numa fase de gostar muito de fotografar, usando essas maquininhas portáteis, e acabei de ganhar uma Canon mais profissional, com foco manual, lente que troca, reflex, que nem as de antigamente...e digital! Mas ainda não tive tempo nem coragem de ler o manual e sair com ela...rsrs. Essas pequenininhas cabem em qualquer canto, tiro rapidamente da bolsa e clico. Mas vou me aventurar mais porque é uma delicia. Obrigada, bjs
Andrea

ipaco disse...

E eu estou sem câmera. A minha canonzinha digital deu pau. As minhas profissionais de filme não tenho mais. Bjs.