domingo, 20 de junho de 2010
Outros caminhos
A sacação de que há um instante decisivo na fotografia, como observou Cartier-Bresson, sugere, de um lado, uma integração entre fotógrafo, câmera e objeto, mas, ao mesmo tempo, um lugar para cada um desses três elementos no ato de fotografar, o que implica o afastamento do fotógrafo do objeto, mediado pela câmera. Os três entrariam em equilíbrio num determinado momento da cena, da ação. Essa integração é que constituiria, por assim dizer, a intuição do fotógrafo, levando-o a fazer o clique na hora certa. Esse raciocínio dominou a fotografia do século 20 e até hoje é muito válido, sobretudo no aspecto estético da fotografia instantânea. Mas há outros caminhos.
Sebastião Salgado é um exemplo. Seus trabalhos partem de um envolvimento com o objeto, que, aliás, não teria sequer esse nome frio e generalizante (e que coloca o fotógrafo numa posição de superioridade estética). Para Salgado, cada elemento de sua foto é uma pessoa, não um objeto. E mais. Cada pessoa tem um nome e uma história que vale a pena contar através da imagem. Seu primeiro trabalho que vi, no início da minha carreira como jornalista, no fim dos anos 80, foi a exposição do deserto de Sahel. Um trabalho impactante, muito superior aos trabalhos de fotojornalistas que estava acostumado a acompanhar por aqui, como Evandro Teixeira e Walter Firmo, para citar dois ícones do fotojornalismo brasileiro e excelentes fotógrafos, o primeiro vindo da tradição fotográfica do Jornal do Brasil, referência para o país naquela época.
Aquelas fotos de Salgado eram em todos os sentidos algo que ainda não havia visto. Eram mais do que o instante decisivo de Bresson. Eram de uma força viva. Os personagens tinham um quê de intimidade com a câmera e, por extensão, com quem olhasse aquelas imagens. Numa palestra-debate realizada após a inauguração da exposição, Salgado esclareceu isso, afirmando que convivia com as pessoas a ponto inclusive de saber os nomes de cada uma delas.
Outra coisa que me chamou a atenção naquele debate foi sua reclamação de que as perguntas dirigidas a ele restringiam-se basicamente a descobrir que equipamento ele usava, o tipo de filme etc. (uma Leica convencional e filme preto e branco Tri-X ou Plus-X, além de um puta trabalho de laboratório). Isso o incomodou a ponto de repreender a platéia: "Vocês não vão perguntar nada sobre o trabalho?" Aquilo me chamou a atenção para uma coisa comum naquele então: a preocupação com técnica e equipamento dominava o debate da fotografia no país, mas quase não se falava sobre estética ou os princípios que guiam o olhar do fotógrafo em seu ofício.
Ou seja, sabia-se tudo sobre as possibilidades do novo flash SB-26 e sua sincronicidade com o obturador, mas não se refletia muito sobre como estruturar uma história (jornalística, estética, antropológica, econômica etc.) em termos de imagens. Não se pensava, por exemplo, sobre a foto de abertura do documentário nem a diversidade de imagens possíveis e necessárias em torno de um tema para se contar sua história. Me pareceu que a fotografia brasileira estava condenada ao talento selvagem e intuitivo (ou seja, não reflexivo) de seus heróis, pois a grande maioria não conseguia sair do passo inicial de admiração com o mundo da técnica e do equipamento. De certo modo, acho que essa visão ainda perdura. Se o vocabulário agora é digital, a gramática permanece a mesma: a técnica.
Neste post, coloco algumas fotos de Salgado sobre o Sahel, encontradas na internet.
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