sábado, 19 de junho de 2010

Retrato americano


A tradição americana para o documentário e o retrato vem desde os primórdios da fotografia. Não estou falando dos fotógrafos voltados exclusivamente para o portrait, como Richard Avedon, Annie Leibovitz, Ralph Gibson ou Robert Mapplethorpe. Me refiro aos trabalhos que mesclam documentário e retrato, como, por exemplo, a produção quase arqueológica de Dorothea Lange, que fez o retrato da Grande Depressão americana, nos anos 30. É impressionante ver nos olhos daquelas pessoas a crise, a falta de trabalho, a nação falida.

Tratam-se de documentários em que o portrait também está de algum modo presente de forma poderosa, muitas vezes roubando a atenção da cena em si. Ou seja, dentro das imagens que contam história estão igualmente retratos de pessoas que humanizam essas histórias. Diane Arbus e seu olhar para o exótico, trazendo em imagens aquilo que a sociedade evitava olhar, acabou fetichizando a ideia de estigma, com uma expressiva produção, muitas vezes constrangedora. Seu trabalho era documentário, era retrato e, por isso, era arte. Impossível ver aquelas imagens sem se transformar interna e intimamente.

Mas, para mim, quem realmente encarna essa tradição documentarista e do retrato é Mary Ellen Mark. Sua produção é extremamente incrível e maravilhosa. Mas vou ilustrar esse post apenas com uma foto, exatamente a primeira que ela tirou que a fez se sentir fotógrafa. A adolescente do retrato acima é uma menina turca e, segundo Mary, foi a primeira foto que deu a ela a sensação de que havia feito algo, uma verdadeira fotografia. Foi realizada em 1966, em Trabzon. A fotógrafa conta, num depoimento ao livro Talking Picture, que não falava turco e não podia dar instruções à menina para posar assim ou assado. Foi a própria menina que se colocou espontaneamente dessa forma, trazendo toda a ambigüidade da adolescência, onde estão presentes os traços da menina que se vai e da mulher que se forma.

Diz Mary Ellen Mark, no livro: "Ela se posicionou ali. Ela está numa idade maravilhosa, um tempo na vida que todos reconhecemos. Para mim, essa foto diz todas aquelass coisaa que vêm à cabeça quando pensamos numa jovem menina que se torna mulher. A criança nos olha tão sedutora, mas ao mesmo tempo seu rosto é lindo e inocente. Suas roupas contradizem sua atitude. Seu rosto e seu corpo não pertencem juntos."

Volto ao Bresson: há um momento em que fotógrafo e objeto são um mesmo todo, unidos pelo visor da câmara. As coisas vão acontecendo nessa ligação e, em determinado ponto, entram em equilíbrio todas elass. É aí que se deve fazer o clique. E isso tudo num átimo, num záz. É difícil, mas quando ocorre, temos uma fotografia. Mary Ellen Mark se tornou uma mestra nessa arte.

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