Vandré, a mente afiada e boas histórias guardadas
Assisti um tanto angustiado e ansioso a entrevista que o Geneton Moares fez com o Geraldo Vandré para a GloboNews. Não sei se o Vandré vetou alguns temas a priori ou se o Geneton estava nervoso por estar fazendo a primeira entrevista com o autor de Pra não dizer que não falei das flores e Disparada após quase 40 anos de silêncio misterioso, mas foi uma entrevista travada, e me deu a impressão que o Geneton não dialogou de fato com o entrevistado. Em algumas respostas, Vandré claramente abria caminhos para o entrevistador seguir, mas ele não percebia, tão focado que estava em sua prancheta, com o roteiro de perguntas. De novo, o problema de sair da redação com a história pronta. Isso tira a sensibilidade do repórter para o inesperado, o imponderável.
É verdade que o Vandré, além de ser difícil nas cordialidades do face a face, foi evasivo sobre vários assuntos que não lhe interessavam. Sobre outros temas, porém, indicou que falaria bem, mas não foi estimulado a fazer isso pelo repórter, que não percebeu as deixas. De fato, a entrevista é uma arte complicada, sobretudo quando se fala com pessoas geniais e muito inteligentes, como é o caso do Vandré.
De qualquer modo, certos trejeitos, maneirismos, a ênfase incomum em certos trechos da frase, características de Vandré, me lembraram muito de Manduka, seu parceiro em 1972, no Chile de Allende, quando fizeram juntos Pátria amada idolatrada salve salve, um diálogo entre um homem e uma mulher ou entre a pátria e o exilado. Foi emocionante ver Vandré recitando trecho da letra de memória. Bastante afiada, por sinal.
Manduka conviveu com Glauber no Chile, onde o primeiro foi ator do segundo no filme inacabado Estrela da manhã
Manduka, com menos de 20 anos, começando sua carreira de músico no Chile, vivendo aquela efervescência toda. Convivendo diariamente com Vandré e Glauber Rocha, com os músicos dos Los Jaivas, dos filhos de Violeta Parra, introduzindo guitarras na música andina, um pouco como os Novos Baianos fizeram com a MPB. Dando ares de Bossa Nova a canções tradicionais do altiplano andino, como Naranjita. E depois o caminho que ele seguiu, gravando discos improváveis e raros em Cuba, com Pablo Milanés, no México, um de seus mais lindos discos, na França, com Naná Vasconcelos e no Brasil.
Manduka sempre conviveu com essas figuras e ele próprio era um gênio, por seu lado. Agora, depois de morto, cresce o movimento na internet atrás de seus discos. O disco do Chile, com Vandré e Los Jaivas, e a bela cantora Soledad Bravo, é um dos mais populares nessas redes. Mas quando se ouve cronologicamente o trabalho, percebe-se a trajetória do artista.
A contracapa do disco de Manduka, gravado no Chile em 1972, com Vandré como parceiro
E é essa trajetória de Manduka que me permite transferir, meio freudianamente, para Vandré e todos aqueles que conviveram no mesmo ciclo a mesma intensidade dos momentos que se foram. Por isso, a entrevista feita pelo Geneton me deixou emocionado por um lado e frustrado, por outro. A prancheta impediu que ele vislumbrasse ali a possibilidade de uma trajetória, ficando preso a questões pontuais de seu roteiro jornalístico. Faltou olhar para o entrevistado, olho no olho, e embarcar na viagem que, no fim, ficou no porto.
2 comentários:
Olá Paulo,
A entrevista foi para a Globo News e pode ser assistida aqui: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1344733-7823-GERALDO+VANDRE+QUEBRA+O+SILENCIO+EM+ENTREVISTA+EXCLUSIVA,00.html
Abraços.
Valeu Norton. Obrigado pela correção. Abs.
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