domingo, 12 de setembro de 2010

A magia de Hermeto


O Hermeto Pascoal é chamado de bruxo. A sua figura albina, com longos cabelo e barba brancos ajuda o imaginário da gente a confirmar o título. Mas é obviamente por sua música que ele é chamado dessa forma desde os anos 70. E a grande mágica de Hermeto, na minha opinião, não é a intricada progressão harmônica de suas músicas, mas a construção aparentemente simples de suas melodias. As músicas de Hermeto, quase todas, são cantaroláveis ou assoviáveis. Temas lindos, como Música das nuvens e do chão, ou o famoso Bebê, só para citar dois deles, ficam nos nossos corações por dias, depois de escutá-los. Mas digo aparentemente, porque mesmo em sua simplicidade sonora, essas melodias são complexas, contorcendo-se em sutis variações, sem matar a idéia central do tema.

Alie-se a isso a maestria harmônica do bruxo e temos aí o segredo de sua magia. Por isso, ainda hoje não consigo me comover com as performances de Tom Zé, sua batida de panelas no palco (coisa que o Hermeto fazia já nos anos 60). Sei que muitos não concordarão, mas como não entendo nada desse assunto, me aventuro sem medo pelo mar bravio. A impressão que tenho é que Tom Zé se esforça demais para soar original. É, talvez, a maldição das vanguardas, que estão sempre condenadas a inventar o novo, a anunciar o futuro, que já fica velho no momento mesmo de seu anúncio.

Em termos musicais, Tom Zé perde longe para Hermeto, em minha opinião. Em termos perfomáticos, perde para outros, como Walter Franco, cantando Cabeça, num dos últimos festivais; ou ainda para Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, estes últimos também grandiosos em termos musicais, com um estilo consistente e vanguardista.

Bem, talvez esteja sendo injusto e meus amigos músicos possam me corrigir. Afinal, só vejo Tom Zé em performances aqui e ali na TV, num Programa do Jô, ou coisa que o valha. Não compro seus discos e nem vou a seus shows. Mas do pouco que vejo na TV não sinto tesão para mergulhar em seu universo musical. Talvez, não esteja simplesmente a altura dele.

No século XVI, quando estudava música e fantasiava me tornar um artista nesse ramo, compartilhava com meus colegas o desdém pela simplicidade e a emoção. Achava que as intricadas fórmulas matemáticas do estudo harmônico me dariam a chave para fazer uma verdadeira arte. Uma arte superior à chorumela brega da música comercial, uma música só para quem tivesse condição de “entender”. Alguém que, ao ouvir minha música, dissesse: “Veja, aqui ele inverteu o acorde e colocou a nona no baixo”, ou coisa que o valha. E quanto mais mergulhei nesse mundo racional e lógico, mais fui perdendo a espontaneidade que tinha, e a sonoridade foi se esvaindo de mim, até que não sobrou nada, exceto partituras, manuais de harmonia jazzística e cadernos de solfejo. A música acabara. Vazio de sons, fui cuidar da minha vida.

Creio que esse racionalismo excessivo, que se perde do emocional, é um perigo. Quando se está nessa febre, gostamos ou deixamos de gostar de um tema musical à medida que compreendemos sua linguagem matemática, sua racionalidade. A mensagem do autor. Ao mesmo tempo tendemos a desprezar coisas simples, harmonias simples, repetitivas, pouco variadas, populares e exageradamente sonoras.

Penso que uma das grandes virtudes do Tropicalismo, sobretudo em Caetano Veloso, é a exaltação de músicas simples, bregas, melodiosas, melodramáticas. E mestres como Tom Jobim, para citar outro grande, caminham num equilíbrio entre os planos racional e emocional. Por isso, o bater de panelas no palco de Tom Zé é muito diferente daquele que faz o Hermeto.
Falando em Hermeto, estou organizando uma série de gravações caseiras de meu pai, o músico Gaudencio Thiago de Mello, feitas entre 1967 e 1972. Ele recebia os amigos em sua casa em Nova York e tudo acabava em música, que o velho registrava num gravador de fita rolo. Recentemente, sugeri a ele que passasse esse material todo para digital, num estúdio, equalizando, masterizando e o escambau.

Acabo de receber cinco CDs: O primeiro é um ensaio de 1967 do grupo que estavam montando Carmen Costa (vocal), Moacir Santos (raríssimo tocando piano), o velho no violão, e Richard Kimball, no contrabaixo. O segundo é um solo de berimbau de Naná Vasconcelos. O terceiro, é o velho, Dom Um Romão e Gilberto Gil, em 1972, com Gil mostrando Oriente e outra canção. No mesmo ano, Hermeto Pascoal mostra várias de suas canções, inclusive Bebê, com Flora Purim e Airto Moreira. Mais recentemente, em 1988, tem uma jam session na sua casa, com Claudio Roditi (trompete e piano), Romero Lubambo (guitarra), Roberto Sion (sax e piano), Nilson Matta (baixo), Barry Olsen (trombone), Gaudencio (percussão), Helio Schiavo (bateria) e Susan Davis (piano e percussão). Estou querendo propor um programa de rádio sobre isso.

4 comentários:

Unknown disse...

Paulinho, quero muito ouvir essas gravações do tio Gaú. Só fera. Acho que você vai gostar de Todos os Olhos, de 73, e Estudando o Samba, de 75, do Tom Zé, são dois discões.
Procure ouvir e me diga. Beijo grande e parabens pelo texto.

ipaco disse...

Maravilha, mano véio. Se vc falou, está falado. Beijo.

advinha quem vai pagar o pato? disse...

hermeto, começou por dentro.
tom zé, começou por fora.
gosto dos dois. muito.
beijos,

mari varzea

ipaco disse...

Oi, Mari. Deve ser implicância minha com o Tom... :-)

Vou seguir a sugestão do Thiago Thiago e ouvi-lo com generosidade... bjs.