domingo, 24 de maio de 2009

Personagens silenciosos


Garçom do Bar Loga, famosos pelo mau-humor: mito ou verdade?

Na minha perambulação por botecos, casas de pastos e restaurantes da cidade sempre me chamam a atenção os funcionários da casa, sobretudo garçons, balconistas e cozinheiros. Em muitos lugares, faço questão de ir à cozinha, quando a casa permite, trocar dois dedos de prosa com os responsáveis pelos sabores que saem das panelas fumegantes. Gosto de ouvir suas histórias. No geral, percebo, esses personagens maravilhosos, misteriosos, passam anônimos pela clientela, como se não existissem.

Como a cozinheira dona Antonia, do Restaurante 28, cuja morte recente foi citada alguns posts abaixo. Em seu funeral não havia parentes, apenas o pessoal do bar onde passou quase sua vida inteira. Uma existência em silêncio que já deve estar se apagando da memória dos assíduos do 28, que, com voracidade, devoravam suas receitas de panela, das quais destaco o cozido de tempero centenário.


Chiquinho, de garçom do Bracarense a dono de bar no Leblon

Diferentemente do pessoal da cozinha, os garçons têm mais contato com os fregueses — como bem lembra o Jaguar, alguns assíduos passam mais tempo com o garçom do que com a mulher. E quando há empatia, forma-se uma camaradagem, uma espécie singular de amizade, que é entremeada pelo negócio, mas o afeto também está presente. Me lembro, por exemplo, do Paiva negociando a meu favor um pendura no Jobi, com o Narciso. Tarefa hercúlea, diga-se de passagem. Ou ainda o saudoso Lima, do Aurora, que me alertava:

— Não peça o peixe hoje, não. Vá de carne. É melhor... — e piscava.

Senão, apenas o bom papo, a jocosidade e os assuntos do dia. O Vieira, do Lamas; o Cícero, do Capela; o Bengala, do Vermelhinho; e por aí vai... Uma vez, papo de boteco, cheguei a elaborar uma teoria de que todo bom garçom ou era chamado pelo apelido, como Chiquinho e coisa e tal, ou pelo sobrenome, como Soares, Gouveia e por aí vai.


O Cícero, do Capela, venceu o concurdo de melhor garçom do Rio, do Correio da Lapa

Tem ainda aqueles garçons que formam uma espécie de simbiose com o dono do bar, não sei bem por que processo psicológico, e acabam se tornando mais donos do que o dono. Jamas se aliam ao cliente. Tem garçom que rouba nas bolachas ou na dose de uísque e trazem contas indecifráveis. Como em qualquer profissão, tem os bons e os maus profissionais. E muitos deles se reúnem na madrugada, após o trabalho, no Aterro para a famosa pelada dos garçons.

O Bar Lagoa é famoso pelo mau-humor dos garçons. Eu sei que muita gente vai discordar, mas nunca vivi ali um atendimento que possa classificar como decididamente mais mau-humorado, ou grosseiro, do que em qualquer outro boteco. Aliás, seu Alfredo Gouveia, que foi confeiteiro em Portugal — e é o responsável pelas sobremesas do Lagoa, inclusive o delicioso apfelstrudel e os pastéis de nata —, é um dos garçons mais atenciosos que já conhecei.

Há ainda o caso dos garçons que herdam o bar ou se tornam, por esforço e mérito próprio, donos do bar. É o caso do Chico Rufino, da Adega da Velha, e do Cícero, que saiu do Bracarense para abrir com a ex-cozinheira da casa o Chico & Alaíde.


Paiva pendurou as chuteiras no Jobi, mas ainda joga a pelada da madrugada que reúne os garçons no Aterro

Os profissionais mais atigos dos bares do Rio estão começando a desaparecer também. Alguns se apsontam vão para o sítio curtir os últimos anos de vida, como o Lima, que a essa hora está fumando seu charutinho na varanda da casa, vendo os netos brincar no quintal. Outros, como dona Antonia, simplesmente passando para o outro lado, após uma vida inteira dedicada ao ofício, cuja ética e segredos de profissão vão se transformando à medida que as novas gerações assumem os postos.

4 comentários:

Anônimo disse...

ai, os garçons do capela, eu amo! No chico e alaíde tem um super garçom bom, outros beeem perdidos, que o chico ainda vai ter que ensinar... rs bjs

ipaco disse...

Ainda não fui lá. Só dei uma passada rápida e tomei uma tulipa no balcão...

Marcelo Amorim disse...

Texto mais do que bem-vindo, esse. Os garçons, muitas vezes, são os responsáveis pela fedelidade dos clientes ao lugar. Ainda não conheço o Rio e seus belos bares (resolverei essa pendenga um dia), por isso quero citar o pra lá de prestativo "Alemão", garçom do Bar do Stuart, bem no centro de Curitiba. O jeito dele pronunciar "um choôpe" (assim mesmo, com dois sonoros ós, sendo que a segunda vogal desse improvável hiato sai com uma leve tonicidade) é uma delícia de ouvir. E se alguém pede um "carioca", aquela mistura de chope claro com escuro, ele manda pro balcão: um casal!!!, numa entonação repleta de pontos de exclamação. Ah, sim, como não poderia deixar de ser, o "Alemão" é um sujeito mais escuro que as tulipas de "carioca" que ele serve.

ipaco disse...

Pois é, Marcelo, lendo seu comentário me lembrei do lendário Xuxa, ex-garçom do Paladino, que tinha o apelido porque pintava o cabelo de louro. Ele tinha o dom de amarrar as conversas entre as meses, geralmente lançando um tema polêmico. Foi embora para Portugal, segundo soube. Abs. pt