terça-feira, 26 de maio de 2009

Entrevista delirante


A foto com a qual Rogério Duarte criou a capa do disco Tropicália (o Torquato é o último à direita, sentado com as pernas cruzadas). Foto garimpada na internet

Amigos, o blog da editora Azougue, de São Paulo, comandada pelo escritor, editor e ensaísta Sergio Cohn, figura muito simpática e arguta, lançou em março a coleção Encontros sobre a Tropicália, que é boa maneira de entrar na cabeça das pessoas que faziam a cabeça de uma certa geração. O Sergio vem fazendo uma espécie de arquelogia das artes em geral: literatura, cinema, artes plásticas e música dos anos 60, 70 e 80, assim como de figuras importantes do pensamento original brasileiro como o geográfo Milton Santos e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Abaixo, como uma palinha do conteúdo da coleção, uma entrevista delirante de Rogério Duarte, autor das capas dos discos e cartazes da Tropicália e do Cinema Novo — como a do filme de Glauber Rocha Deus e o diabo na terra do sol —, com o poeta e escritor Torquato Neto. Para quem quiser saber mais sobre a editora Azougue, há um link na lista de notáveis abaixo.


Torquato em foto recuperada da internet

Entrevista delirante

[Rogério] Torquato, você acha que está cumprindo seu dever de brasileiro?

[Torquato] Yes.

[Rogério] Porque você respondeu em inglês?

[Torquato] Devido a minha formação (Joaquim Nabuco) de comunista.

[Rogério] Presentemente está atuando em alguma emissora?

[Torquato] Não.

[Rogério] Em inglês ou português?

[Torquato] Em português. Nós temos Bananas. Fale.

[Rogério] Assim não, isso é plágio de João de Barro e Alberto Ribeiro. Que tem a declarar?

[Torquato] Vinícius jamais escreveria isso. Vinícius é a minha miss Banana Real. Geraldo Vandré é um gênio.

[Rogério] Você diz um gênio sexual ou matemático?

[Torquato] Nunca dormi com ele.

[Rogério] Por que, você sofre de insônia?

[Torquato] Eu era viciado em psicotrópicos. Hoje em dia eu dou mais valor ao salcalóides...

[Rogério] Eu por minha parte dou mais valor aos aqualoucos.

[Torquato] O Golias é ótimo.

[Rogério]Ele já foi aqualouco?

[Torquato] Yes.

[Rogério]Você não acha que nós devemos tratar melhor os negros?

[Torquato] Yes.

[Rogério] Por exemplo, lá em casa estamos há 2 meses sem empregada. Nesse sentido Malcolm X ou Bertrand Russel foram muito compreensivos. Veja o caso de Sérgio Pôrto com aquela estória do crioulo doido, puro racismo, e racismo paulista, o que é mais grave sendo ele cocarioca, isto é, carioca, não acha nego?

[Torquato] Yes. Acho sim. Agora: o Bertrand Russel é mais branco do que Malcolm X. O que estarei querendo dizer com isso?

[Rogério] Talvez que a noite deste século seja escura e de uma escuridão tão impotente que mesmo no seu âmago mais profundo não são pardos todos os gatos.

[Torquato] Non sense. Auriverde pendão das minhas pernas que a brisa do funil beija e balança. Onde está funil leia-se mesmo Brasil. Nelson Rodrigues inventou a subliteratura e eu endosso..

[Rogério] Mas você não acha que depois de C. Veloso já devemos começar a cuidar mais seriamente da superliteratura?

[Torquato] Yes. Freud explica, não é mesmo?

[Rogério] Seria se fosse. Mas tanto Freud como Sartre como Lévi-Strauss não passam de romancistas da Burguesia. E Lukacs?

[Torquato] Foi o caso mais grave de Geraldo Vandré que já conheci. E com a desvantagem de ser tão polido como Leandro Konder. Só que de Romance ele não manjava bulufas. Mas, não exageremos porque Lukacs é um moço de muito futuro.

[Rogério] Além do mais Torquato todas as nossas tragédias ou melodramas individuais fazem parte de um projeto coletivo nosso. Nós fumamos maconha para ter um sucedâneo da fome dos operários e damos a bunda porque não entendemos bem a razão pela qual temos tantas bananas e os camponeses continuam tão desenxavidos.

5 comentários:

Anônimo disse...

Essa entrevista é nojenta. Mostra exatamente o quanto essa turma da Tropicália não tinha absolutamente nada a dizer e - muito menos - nada a contribuir com o Brasil.

ipaco disse...

Bruno, acho que a entrevista deve ser lida no contexto da época, levando em consideração os personagens. A ironia, a brincadeira com personalidades consagradas etc. tudo isso tem que ser relativizado. Como, por exemplo, quando o Torquato fala da "subliteratura" do Nelson. Pra mim, é um documento histórico importante. Não sou fã ardoroso da Tropicália, mas daí a dizer que não trouxe contribuição, não concordo. Abração.

Marcelo Amorim disse...

Interessante o que você disse, Bruno, mas acredito que a Tropicália deu sua contribuição ao Brasil, sim. Primeiro, porque foi uma manifestação artística, e defendo que toda arte contribui de alguma forma, nem que seja "apenas" para levantar questionamentos. Não podemos esquecer que vivíamos o auge da ditadura militar, o comportamento desse pessoal era também uma forma de questionar e afrontar o poder vigente, de anarquisar a estética e a cultura oficiais. Também não dá pra gente deixar de reconhecer a qualidade dos que fizeram a Tropicália: Gil, Caetano, Torquato, Oiticica, Zé Celso e o Teatro Oficina, entre outros. Por fim, na minha opinião, essa entrevista não é uma entrevista, não pode ser lida como tal, muito menos fora do contexto da época e do que esses caras produziam. Eu vejo isso como uma espécie de convite à desestruturação, que me fez lembrar daquela célebre frase do Nietzsche: "É preciso ter um caos dentro de si para gerar uma estrela".

ipaco disse...

Salve, Marcelo. Num momento tão barra pesada como o da ditadura (eu me lembro de ser revistado aos 11 ou 12 anos de idade indo pro colégio uniformizado), a tendência era de radicalização em todos os campos, não só na política. E havia ainda, na época, uma dicotomia entre MPB "autêntica" e um tipo de música considerada menor por sofrer influência estrangeira. Mas hoje, olhando historicamente, na minha modesta opinião, a Tropicália e, mais do que ela, a Bossa Nova, fizeram uma revolução antropofágica nos moldes do Oswald. Deglutiram as influências de fora e as transformaram em algo genuíno nosso, que hoje faz da música brasileira uma expressão única.

Mas também tem suas limitações e equívocos, como por exemplo, uma obsessão com a idéia de "vanguarda" e de "invenção". Ou seja, se não criar uma linguagem nova, não presta. Além disso, o Caetano tem uma certa malandragem marketeira ao se aliar sempre a qualquer movimento novo e amarrar a Tropicália a todas as expressões consagradas do modernismo pra cá. Então, atrelam o movimento aos modernistas, sobretudo Oswald, aos concretistas; ao Ciname Novo e, contraditoriamente, ao cinema de Sganzerla e Bressane; ao Teatro Oficina; à poesia marginal dos anos 70; ao rap e por aí vai. Por isso, o Caetano tem tanta dificuldade em envelhecer.

abs

Marcelo Amorim disse...

Paulo, é bem isso, aquela foi uma época de radicalizações, como normalmente acontece em épocas de exceção, de conflitos. Mas à parte aquilo tudo, eu considero a radicalização necessária, na maioria das vezes. Entendo o radicalismo como parte do processo de crescimento da pessoa e da sociedade, um caminho que leva ao conhecimento - ou que deveria levar. Sem o fato e ato radical, dificilmente se chega plenamente ao "conforto" do meio termo, do equilibrio, à região que pode ser comparada com a experiência da maturidade no ser humano. Aliás, os conceitos de "vanguarda" e "invenção" que você citou, salvo raras exceções, têm tudo que ver com a juventude. Parece papo de boteco, eu sei, mas todos nós, de alguma forma, passamos por aí, vivenciamos nosso "tropicalismo pessoal", ao menos em algum momento da nossa juventude. Depois é a maturidade, a meia idade, o meio quente, o meio frio. E mais depois ainda vem a fase em que o Caetano disse ter entrado agora, a velhice, época em que as radicalizações ocorrem às avessas, como o cara ter que parar de comer gordura e beber todas senão morre. Se bem que - como diz um amigo meu - adianta alguma coisa morrer com saúde?