quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A morte do Jornal do Brasil impresso

Amigos, reproduzo aqui a matéria sobre o fim do JB impresso, publicada ontem no Globo.





O adeus ao Jornal do Brasil: Após 119 anos, um dos diários mais importantes do país deixa de existir na sua versão em papel

Paulo Thiago de Mello

A partir desta quarta-feira, o Jornal do Brasil, fundado em 1891, deixa de circular na sua versão impressa. Aos leitores, restará apenas a opção da edição digital, via internet, mediante uma assinatura mensal de R$ 9,90.

Para a empresa que administra a publicação há nove anos, trata-se de um passo rumo ao futuro, mas para muitos profissionais de imprensa a iniciativa significa uma espécie de morte de um dos mais importantes jornais do país.

Fundado num 9 de abril, o JB marcou seu lugar na história dos grandes jornais como um precursor de inovações, como o uso de agências de notícias e o envio de correspondentes ao exterior.

Lançado menos de dois anos após a Proclamação da República, o JB foi identificado inicialmente como um jornal monarquista e, desde então, manteve uma intricada relação dialética com a vida republicana brasileira.

— Eu resumo a história do JB em dois períodos. Um século de glória e duas décadas de agonia — afirma Alberto Dines, do Observatório da Imprensa e ex-diretor de redação do JB, onde trabalhou de 1962 a 1973. — Era um jornal liberal no sentido de ser antimilitarista e, portanto, contrário à República, que nasceu pelas mãos de um golpe militar.

Fundado pelo jornalista Rodolfo Dantas, o Jornal do Brasil passou a ser comandado, na década de 20, pelo conde Ernesto Pereira Carneiro, que fez a transição de um diário popular para um jornal mais moderado e moderno. O JB teve entre seus profissionais nomes como os de Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Barbosa Lima Sobrinho, João Saldanha, Carlos Castello Branco, Otto Lara Resende e Ziraldo, entre tantos outros. Em 1954, após a morte do conde Pereira Carneiro, sua viúva, a condessa Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro, passou a dirigir o jornal. Anos mais tarde, passou o bastão ao genro Manuel Francisco do Nascimento Brito, eternizado como o "doutor Brito".

Entre as décadas de 50 e 80, viveu seu auge. A reforma gráfica de 1959, a cargo de Amílcar de Castro, introduziu novidades como diagramação vertical e eliminação de fios entre as colunas, que acabaram influenciando jornais dentro e fora do Brasil. No plano editorial, as mudanças foram realizadas pela equipe de Odylo Costa Filho, na qual estavam jovens jornalistas como Wilson Figueiredo, Carlos Lemos, Jânio de Freitas, entre outros. Os textos ficaram mais leves e foram criados suplementos, até então inexistentes na imprensa brasileira.

— Nos anos 60 e 70 ele revolucionou a imprensa brasileira, era o modelo a ser seguido, tanto gráfica como editorialmente — diz Orivaldo Perin, que entrou no JB como estagiário, onde trabalhou "três encarnações". — Sua importância estava mais no conteúdo que na tiragem. A venda média do jornal, mesmo nos áureos tempos, ficava entre os 100 mil e os 150 mil exemplares/dia, mas tudo o que publicava, repercutia.

— O JB também foi muito importante para O Globo. A concorrência entre os dois obrigou cada um a entrar na seara do outro, com bom jornalismo e conteúdo. Foi um dos momentos mais bonitos da história do jornalismo brasileiro. Quem ganhou foi o leitor — afirma Dines.

A família Nascimento Brito dirigiu o jornal por décadas e, após sucessivas crises, arrendou a marca para a Companhia Brasileira de Multimídia, do empresário Nelson Tanure, em 2001.

Nos anos do regime militar, o jornal teve um papel decisivo. Entrou para a história a primeira página de 14 de dezembro de 1968, no dia seguinte à decretação do Ato Institucional número 5 (AI-5) em que, no canto esquerdo, dizia: "Tempo negro. Temperatura sufocante. O país está sendo varrido por fortes ventos. Mínima 5 graus no Palácio Laranjeiras. Máxima 37 graus em Brasília". No entanto, já em crise, na década de 80, o jornal foi acusado de flertar com o malufismo.

A partir dos anos 90, o jornal teve altos e baixos na linha editoral e, em persistente crise financeira, foi entregue a Tanure, que adotou a versão berliner e transferiu a sede da Avenida Brasil 500 - onde estava desde 1973 - para o casarão da Avenida Paulo de Frontin. Nas últimas semanas, o prédio do Rio Comprido tem pendurada uma faixa de "aluga-se". Com uma dívida estimada em R$ 100 milhões, o jornal impresso ainda empregava cerca de 60 profissionais.
Em 2008, o JB - e a Gazeta Mercantil, que também desapareceu pelas mãos de Tanure — deixou de ser filiado ao IVC, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) e, por isso, não há números precisos da sua tiragem recente.

— Ele (o JB) não morreu de repente. Veio morrendo aos poucos. Quando o jornal fez um século, já estava mal — afirma Alberto Dines, lembrando que o jornal cometeu erros políticos e econômicos.

Flávio Pinheiro, ex-editor-executivo do JB, emenda:

— O JB que morre hoje (ontem) nas bancas já estava inteiramente desfigurado. Irreconhecível na sua fisionomia e na sua alma — diz Pinheiro.

O colunista Ancelmo Gois, também ex-JB, concorda:

— O JB acabou faz tempo. Era um cadáver insepulto. Digo isso com tristeza. É difícil dizer quando exatamente o jornal acabou, mas, certamente, não foi agora. Em que pese o esforço quase heroico dos coleguinhas que estavam lá, o jornal já tinha perdido a alma.

— Não lamento agora o fim do JB. Já lamentei anos atrás. Não identificava no jornal que circulou até agora, e do qual me mantive assinante, o JB dos bons tempos — diz Artur Xexéo, que iniciou a carreira no JB.


Um passado que entrou para a história

Paulo Thiago de Mello (com colaboração de Bruno Rosa)

RIO - Impulsionado pelos bons ventos do pós-Guerra, o Brasil entrava nos anos 50 apostando na prosperidade. Nesse clima de euforia, os poetas concretos abalaram as estruturas da literatura, decretando o fim do poema, ao mesmo tempo em que soavam os primeiros acordes dissonantes da Bossa Nova. Nas telas, filmes do Cinema Novo. Nos anos 50, com Juscelino Kubitschek na Presidência, o Jornal do Brasil lançou o Suplemento Dominical (1956), criado pelo poeta Reynaldo Jardim e que se transformaria no embrião do futuro Caderno B, quatro anos depois. Além de Jardim, nomes como Ferreira Gullar, Mário Faustino, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Mário Pedrosa tiveram forte influência no Suplemento Dominical. Em 1959, fazia a sua reforma gráfica.

— O JB já chamava a atenção e prestígio intelectual, com o seu Suplemento Dominical, que trouxe uma nova noção estética concretista, misturando artes plásticas, literatura, ciência. No aspecto gráfico, Amílcar de Castro eliminou os fios, implantando a diagramação vertical e valorizando os espaços brancos das páginas — lembra Wilson Figueiredo, colunista do jornal.

No suplemento cultural, liberdade de estilos

De fato, mais uma vez o JB lançava moda. O Caderno B foi o primeiro suplemento exclusivamente voltado para assuntos culturais, de entretenimento e variedades, pondo o Rio numa caixa de ressonância nacional. Mas a inovação do Caderno B não se restringia à forma gráfica. Os repórteres e colaboradores do suplemento tinham liberdade estilística em suas narrativas, dispensando os padrões de objetividade do texto jornalístico. Um dos nomes de destaque era Wilson Coutinho, crítico de arte. Além disso, o caderno aceitava colaboração de escritores, artistas e intelectuais.

— A reforma de 59 foi a mais duradoura da imprensa brasileira. Inspirada em padrões estéticos criativos, como o concretismo, antecipou tendências. Uma revolução no design, que inspirou os jornais sem fios — afirma Alberto Dines, do Observatório da Imprensa e ex-diretor de redação do JB.

A diagramação ousada do JB tinha no Caderno B um de seus espaços privilegiados. Várias capas do suplemento entraram para a história do jornalismo brasileiro por seu arrojo. O destaque dado a fotos, ilustrações e infográficos, além da valorização de espaços em branco na página, realçava as reportagens.

Em entrevista ao Jornal da ABI, o jornalista Carlos Lemos, então na editoria de Esportes, lembra que foi o primeiro a retirar os fios da diagramação, ideia de Amílcar de Castro, mas que ainda não havia sido implementada:

"O Amílcar defendia tirar os fios que separavam as colunas do jornal. Foi a brecha que eu tive para imprimir minha mudança. Fui à oficina, pedi para aumentar a medida entre as colunas e tirar os fios, responsabilizando-me por qualquer problema que acontecesse."

A importância do JB não se restringiu ao Rio de Janeiro. Apesar da transferência da capital federal para Brasília, o Rio continuava dando o tom na vida cultural e política do país e o jornal era um veículo que formava opinião, sendo lido religiosamente pelas classes política e artística e a intelectualidade.

Perda de credibilidade foi o golpe de misericórdia

Flavio Pinheiro, ex-editor-executivo, lembra que o JB promoveu outras inovações na imprensa brasileira:

— Criou a primeira revista dominical, uma revista de programação de fim de semana, o caderno Idéias, o espaço para humor — enumera. O espaço dado à charge de Chico Caruso era um desses exemplos.

Mas, quando a capital fluminense entrou em processo de degradação, o JB, com problemas financeiros, acompanhou e também começou a perder prestígio, lembra Pinheiro:

— Quando, anos atrás, morreu o grande jornal, morreu mais um pouco a altivez republicana e a presunção cosmopolita do Rio.

— A importância do JB foi imensa. Contando só os anos do jornal que vivi ou conheci, de meados dos anos 50 e aos anos 90, acho que todo jornal no Brasil queria de certa maneira ser o JB. Mas isso passou há muito tempo. Ele é um jornal que se limitou a sobreviver nas últimas décadas. Cada vez que ele fazia um esforço para melhorar, ficava mais parecido com os outros jornais, porque sua fórmula original estava esquecida — afirma Marcos Sá Corrêa, ex-editor-chefe do Jornal do Brasil.

Para alguns profissionais, no entanto, a crise acabou por afetar o principal patrimônio do JB: a sua credibilidade.

— Antes da venda da empresa, mesmo com todos os problemas de gestão, o jornal tinha credibilidade, que sempre foi seu ativo mais precioso. Os novos donos não conseguiram ou não quiseram entender isso. A venda foi um golpe forte na credibilidade da marca, e depois dela a morte do jornal nas bancas tornou-se uma questão de tempo — diz Orivaldo Perin, ex-chefe de redação do jornal. — É uma morte ruim para todos, principalmente para os leitores. Em vez de fazer história, o JB vira história.


Livro e filme registram a história do JB

Paulo Thiago de Mello e Lucila de Beaurepaire

RIO - Certo dia, um graduado executivo do Jornal do Brasil telefonou para a redação de um iate em Angra dos Reis para dizer que o corpo de Ulisses Guimarães havia sido encontrado e que o JB deveria noticiar no segundo clichê da edição de domingo. O então secretário Roberto Pimentel Ferreira se negou a publicar a versão sem comprovação e foi aplaudido no dia seguinte. Mesma sorte não teve uma repórter "foca" da agência JB, que acatou o "furo" e perdeu o emprego. Essa é uma das histórias que Alfredo Herkenhoff, ex-secretário de redação, conta no livro Jornal do Brasil - Memória de um secretário - Pautas e fontes (edição do autor, 336 págs, R$ 70), lançado nesta terça-feira.

Herkenhoff reuniu relatos de colegas e casos que ele próprio testemunhou nos 20 anos que passou no jornal, em duas fases distintas. A ex-editora do Caderno B Regina Zappa e o fotógrafo Rogério Reis, também um ex-JB, uniram-se ao diretor Sergio Sbragia para fazer um documentário sobre o jornal, batizado de Av. Brasil, 500, em referência à sede que abrigou a redação por três décadas.

— Chamamos ex-funcionários do JB para um encontro na sede destruída. A convocação por e-mail logo formou uma rede, ganhando contornos de um movimento — explica Regina. — No dia da gravação, apareceram mais de cem pessoas.

Herkenhoff coleciona há décadas histórias do JB:

— O livro é uma imitação do jornal, desde sua capa, com o famoso "L" dos classificados.

Regina, por sua vez, lembra da filmagem com emoção:

— Foi emocionante. Um sábado nublado, frio, o que contribuiu para um certo clima de melancolia. Algumas pessoas choraram ao subir as escadas no escuro — diz ela. — Mas não foi apenas tristeza. As pessoas lembraram histórias engraçadas.

Ana Arruda Callado, uma das primeiras mulheres na redação do JB, lembra das discussões intermináveis sobre o jornal, após o fechamento, em algum bar ou restaurante.

— Era um jornal que não poderia existir nos tempos de hoje — diz Ana.

A fotografia do JB também fez escola, arrebatando sucessivos prêmios. Nomes como Alberto Ferreira, que imortalizou uma bicicleta de Pelé; os inúmeros cliques de Evandro Teixeira e o célebre Erno Schneider, que traduziu como ninguém a indecisão do presidente Jânio Quadros, em 1961, com os pés enviesados e arrebatou o Esso em 1962.

2 comentários:

ips disse...

Acho que você devia reunir esses dois últimos textos e publicar no site do LeMetro.

ipaco disse...

Boa idéia, Sô. Vou fazer isso!